Com mais de 57 mil mamografias realizadas em 2025, o Piauí ampliou significativamente o acesso ao diagnóstico precoce do câncer de mama, especialmente entre mulheres a partir dos 40 anos. Como parte das ações de reforço ao tratamento, o estado recebeu, na quinta-feira (23), uma remessa com 224 unidades do medicamento Trastuzumabe Entansina, recém-incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) para casos avançados da doença.
A rede estadual conta com 43 mamógrafos fixos e o serviço itinerante dos Caminhões da Mamografia, que percorrem os municípios levando o exame a quem mais precisa. O foco principal tem sido nas mulheres entre 40 e 49 anos, faixa etária que passou a ser atendida sob demanda, conforme nova orientação do Ministério da Saúde.
“Outubro Rosa é um mês para toda sociedade se concentrar na proteção às nossas mulheres, sobretudo na prevenção do câncer de mama. Por isso estamos descentralizando, não apenas com mutirões, mas com salas permanentes de mamografia. É o caso da Central de Diagnóstico de Valença, que agora atende toda a região sem fila de espera. Viva as mulheres, viva o Outubro Rosa!”, declarou o governador durante visita ao hospital da cidade.
A técnica em radiologia Ana Vitória atua na Central de Diagnóstico de Valença e confirma o impacto direto na vida da população. “Antes o exame só era disponibilizado em clínica particular. Agora, mulheres de toda a região vêm aqui, fazem o agendamento e realizam o exame. Atendemos mulheres a partir dos 40 anos, sem fila, com estrutura pública. Isso melhorou muito a vida das pessoas”, afirma.
Complementando as ações de prevenção, o estado também fortaleceu o tratamento da doença com a chegada do primeiro lote do Trastuzumabe Entansina, indicado para casos de câncer de mama HER2-positivo, uma das formas mais agressivas da enfermidade. As 224 unidades destinadas ao Piauí fazem parte de uma remessa nacional de 11.978 frascos, distribuída pelo Ministério da Saúde.
O medicamento será disponibilizado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi), conforme os protocolos clínicos vigentes. Segundo o Ministério da Saúde, o tratamento pode reduzir em até 50% a mortalidade das pacientes com esse tipo de câncer. O investimento federal totaliza R$ 159,3 milhões, com previsão de quatro entregas até junho de 2026, beneficiando mais de mil pacientes ainda este ano.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reforçou a importância da mobilização nacional. “Estamos orientando que mulheres de 50 a 74 anos façam mamografia pelo menos a cada dois anos, com rastreamento ativo pelas equipes de saúde da família. E se uma mulher a partir dos 40 anos quiser fazer o exame, o profissional deve garantir o acesso. Além disso, atualizamos os medicamentos para tratamento, com os mais modernos disponíveis no SUS, aumentando a chance de sobrevida”, destacou.
Mulheres que não realizam a primeira mamografia têm até 40% mais risco de morrer por câncer de mama, segundo um estudo do Instituto Karolinska, na Suécia, publicado em setembro no British Medical Journal. A pesquisa acompanhou 432 mil mulheres por 25 anos, avaliando sua rotina preventiva contra os tumores.
O levantamento mostra que 32% das participantes aconselhadas a fazer o exame, seja por recomendação médica, seja por chegarem à idade de rastreamento ativo, não compareceram à mamografia.
“Os atrasos no diagnóstico decorrentes de não fazer os exames têm um impacto direto na sobrevida das pacientes, especialmente para aquelas com subtipos de tumores mais agressivos e de evolução mais rápida”, comenta a oncologista Heloisa Veasey Rodrigues, médica do Grupo de Mama do Einstein Hospital Israelita.
Para a maioria das faltantes na primeira mamografia, o hábito de não comparecer nos prazos corretos permaneceu ao longo do tempo.
Durante os 25 anos de pesquisa, as mulheres deveriam ter feito 10 exames: as que foram à primeira consulta indicada compareceram a uma média de 8,74 triagens, enquanto as faltantes cumpriram quase metade disso, 4,77 testes.
A mortalidade 40% maior entre as que não compareciam foi atribuída justamente às faltas na prevenção. Até porque, segundo o estudo, a incidência global de câncer foi parecida entre os grupos — 7,8% entre participantes em relação a 7,6% entre não participantes.
A justificativa para a alta de mortes foi que os tumores diagnosticados naquelas fora do rastreamento padrão eram mais avançados, sendo que um terço delas descobriu o câncer quando ele já era sintomático.
“Embora a incidência seja equivalente, os tumores diagnosticados fora do rastreamento podem ter um prognóstico pior e consequentemente menores chances de cura”, explica Rodrigues.
A falta de adesão à mamografia pode refletir um comportamento de risco que combina uma série de fatores: falta de conhecimento da necessidade de prevenção, baixo acesso aos exames e até medo do diagnóstico.
“Existe ainda um estigma do câncer de mama ser muito associado ao tratamento agressivo e que ele reduz a qualidade de vida. É uma visão equivocada, atrelada a uma ideia antiga de que o câncer é uma doença de tratamento difícil e incurável”, afirma a oncologista.
Quando fazer o exame A Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que o rastreamento comece aos 40 e siga até os 74 anos com exames anuais.
Para aumentar o índice de exames, em setembro de 2025, o SUS (Sistema Único de Saúde) desburocratizou a realização para mulheres entre 40 e 50 anos, que anteriormente precisavam ter histórico familiar ou recomendação médica expressa para fazer a triagem na rede pública.
Para a oncologista do Einstein, a inclusão de mulheres mais jovens nas filas para a realização de mamografia é uma preocupação crítica para combater os tumores. Isso porque aqueles que surgem antes da menopausa costumam ser mais agressivos.
“Especialmente no Brasil, a ocorrência de tumores de mama antes dos 50 anos é mais comum do que em outras regiões do mundo”, alerta Heloisa Rodrigues.
Campanhas e carretas da mamografia Estudos internacionais como o dos pesquisadores do Instituto Karolinska reforçam que a participação inicial em programas de rastreamento contra o câncer de mama tem efeito prolongado na redução da mortalidade.
Para garantir o acompanhamento regular, entretanto, é preciso que as mulheres sejam conscientizadas da importância da mamografia, e que políticas públicas levem o exame a regiões de menor acesso.
“É sempre importante investir em campanhas de rastreamento e diagnóstico rápido, como as carretas da mamografia. Quando há informação, o medo diminui. É importante explicar que a mamografia não é dolorosa, que o tratamento evoluiu e que há altas taxas de cura”, conclui a oncologista.
Identificar com precisão qual é a causa de diversos tipos de câncer ainda é um desafio para médicos e cientistas. Fatores como genética, tabagismo e sedentarismo, por exemplo, podem influenciar no desenvolvimento de tumores.
Mas um processo natural do corpo também pode ter papel importante nessa doença: a inflamação.
Uma revisão de estudos publicada em 2019 na revista científica "Annals of African Medicine" mostrou que até 20% dos tumores são causados por inflamações crônicas.
Ainda que esse processo seja relevante no desenvolvimento de alguns tipos de câncer, os especialistas ressaltam que nem toda inflamação vai se tornar um tumor.
"A inflamação é uma resposta natural do corpo para se defender de algo errado — uma infecção, uma lesão, uma irritação. O problema é quando essa resposta não se desliga", analisa o médico oncologista do A.C. Camargo Cancer Center, Felipe Coimbra. Quando uma inflamação se arrasta por meses, há um desgaste das células e do tecido ao redor da região lesionada, o que pode dar origem a um câncer.
Inflamação e câncer Mesmo que a inflamação seja uma resposta fisiológica esperada do organismo, ela deve ser finita, com o tecido voltando à sua forma original. Quando esse processo se torna algo crônico, as células estão em constante regeneração.
João Viola, coordenador de pesquisa e inovação e vice-diretor geral do Instituto Nacional do Câncer (INCA), explica que esse é o principal motivo para tumores se formarem em locais com inflamação crônica: o aumento na proliferação celular.
Felipe Coimbra, que também é líder do Centro de Referência em Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C.Camargo Cancer Center, detalha mais essa relação.
"Nesse processo, o organismo tenta se regenerar o tempo todo, e cada nova divisão celular aumenta a chance de erros (mutações) no DNA. É assim que, com o tempo, podem surgir mutações capazes de dar origem a um tumor", analisa.
Viola ainda acrescenta que as células inflamatórias estão frequentemente presentes no tecido tumoral.
"A inflamação tem impacto em todas as fases de tumorigênese: iniciação, progressão e metástase", alerta. Segundo os especialistas, há alguns tipos de câncer que são mais comumente associados com inflamações crônicas:
Câncer de fígado - pode surgir em pessoas com hepatite viral crônica ou cirrose. Câncer de estômago - tem relação com infecção prolongada pela bactéria Helicobacter pylori, que causa problemas como gastrite e úlcera. Câncer de colo de útero - tem relação direta com o HPV. Câncer de intestino - doenças inflamatórias como retocolite ulcerativa e doença de Crohn aumentam o risco de tumores. Câncer de esôfago - risco aumentado em pessoas que têm refluxo crônico. Câncer de pulmão - em fumantes, o tabaco provoca uma inflamação contínua que pode levar ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer.
Problema silencioso Em um contexto em que uma inflamação que se estende por meses pode levar a problemas mais sérios, como câncer, a ausência de sintomas bem definidos é uma questão preocupante, segundo os oncologistas.
"Infelizmente, muitas inflamações crônicas são silenciosas. Quando dão sinais, eles costumam ser vagos — cansaço, desconforto abdominal, perda de apetite, emagrecimento sem motivo claro", afirma Coimbra. Em outros casos, o paciente pode ter sintomas mais localizados, como:
Dor persistente Alteração no funcionamento do intestino Refluxo frequente Tosse que nunca passa "O corpo costuma avisar, mas de forma sutil. O segredo está em não normalizar esses sintomas e buscar avaliação médica", recomenda o oncologista. ⚠️Os especialistas ainda pontuam que o alerta vem quando os sintomas se tornam contínuos, progressivos ou começam a afetar o dia a dia.
Dores que se tornam constantes ou desconfortos que evoluem para uma dificuldade para comer, por exemplo, podem indicar uma transformação no tecido inflamado.
Nessas situações, exames simples podem identificar lesões precoces e permitir que o tratamento se inicie o quanto antes, se for necessário – algo essencial para o sucesso do tratamento contra o câncer.
Influência dos hábitos Embora algumas pessoas possam ser mais suscetíveis a inflamações crônicas, os hábitos ainda influenciam bastante nesse processo.
"A rotina moderna, muitas vezes, trabalha contra o nosso corpo. O sedentarismo, o excesso de alimentos ultraprocessados, o álcool, o tabagismo e o estresse mantêm o organismo em estado de inflamação constante", comenta Coimbra. Além disso, doenças crônicas como obesidade e diabetes também podem levar a inflamações persistentes.
Considerando isso, Viola indica que a busca por hábitos saudáveis é o melhor caminho para evitar inflamações e, consequentemente, reduzir o risco de desenvolver um câncer associado a esse processo.
O sono é uma necessidade humana universal, mas fatores biológicos e sociais moldam a forma como ele influencia cada pessoa. Estudos indicam, por exemplo, que as mulheres não apenas dormem de forma diferente dos homens, como também precisam dormir mais.
A DW conversou com mulheres de várias regiões do mundo, que compartilharam histórias de sono defasado e relataram os efeitos da chamada "privação de sono".
Sana Akhand, por exemplo, chefiava um departamento de recursos humanos no setor de tecnologia de Nova York quando atingiu um ponto de exaustão, percebeu que isso estava afetando sua saúde mental e se sentiu forçada a deixar o emprego.
"Eu costumava tomar uma taça de vinho e desabar na frente da TV todas as noites", contou à DW. "Eu estava exausta."
Hoje, o sono é algo inegociável para o bem-estar de Akhand. É também um dos motivos pelos quais ela decidiu não ter filhos. Todas as noites, ela vai para a cama às 22h e dorme por nove horas. "Acordo por volta das 8h. É o que meu corpo quer", conclui.
O que a ciência diz sobre sexo biológico e sono Mulheres dormem em média de 11 a 13 minutos a mais por noite do que os homens. Alguns estudos sugerem que elas podem precisar de até 20 minutos extras para sustentar funções complexas durante o dia, como realização de múltiplas tarefas simultâneas, regulação emocional e ciclo menstrual.
Durante a primeira metade do ciclo menstrual, a fase folicular, o aumento dos níveis de estrogênio melhora a qualidade do sono e aumenta o sono REM – fase ligada aos sonhos, à memória e ao processamento emocional.
Mas na segunda metade do ciclo, a fase lútea, o aumento da progesterona pode causar sonolência e, paradoxalmente, piorar o sono – com mais despertares noturnos e até 27% menos sono profundo.
Shantani Moore, coach de inteligência corporal em Los Angeles, disse à DW que organiza sua rotina diária com base no ciclo menstrual e nos padrões de sono.
"É algo que trabalho conscientemente", disse Moore. "Quando não durmo o suficiente, é como um casamento tóxico entre estar elétrica e exausta. Aí vem a mente confusa, decisões ruins, irritação com o parceiro, dizer 'sim' para coisas que não deveria... tudo se acumula."
O peso da estrutura social Além da biologia, fatores sociais e estruturais também afetam como e quão bem as mulheres dormem.
Sabrina, que vive em Karachi, no Paquistão, e pediu que seu nome fosse alterado na reportagem, disse que as demandas do dia a dia eram uma grande fonte de exaustão. Ela conta que costumava dormir apenas de seis a sete horas por noite, e que sentia que isso não era suficiente.
"Para me sentir descansada e manter a mente tranquila durante a semana, preciso de 12 horas [de sono por noite]. É mais do que a média de oito", disse Sabrina.
Quando não consegue dormir tudo isso, ela tenta compensar com cochilos, que às vezes duram horas. "Um cochilo de 30 minutos pode virar quatro horas."
Ela afirma que não é só o trabalho que a sobrecarrega, mas também o esforço mental e doméstico constante.
"De manhã, passo roupa, preparo o café da manhã e o almoço, limpo a casa e faço o jantar. E quando estou exausta demais para fazer isso, começo a me culpar mentalmente. Me sinto preguiçosa, mesmo que seja algo que leve só 10 minutos", conta.
Nos fins de semana, quando visita a família, Sabrina dorme de 12 a 13 horas seguidas, sem interrupções.
Especialistas dizem que esse fardo não é apenas anedótico, e sim, sistêmico.
"As mulheres sofrem mais com distúrbios relacionados ao trabalho em turnos, além de trabalharem mais em horários não convencionais, sofrendo mais com os efeitos negativos disso", disse Emerson Wickwire, especialista em sono da Universidade de Maryland, nos EUA.
"Se considerarmos [o horário] 'das 9 às 17' como padrão de jornada, isso significa que, em relação aos homens, as mulheres trabalham até fora desses horários, incluídas as demandas sociais", disse Wickwire à DW.
Clara Paula, profissional autônoma em Berlim, parece ter encontrado uma solução como freelancer. À DW, ela conta como os horários flexíveis a permitem dormir mais quando precisa.
"Agora durmo sete, oito, até nove horas", disse Clara. "Ninguém me obriga a ficar na frente do computador. Começo mais tarde, faço pausas e termino mais rápido. "
Mas não se trata apenas da quantidade de horas, e sim da qualidade do sono. Pesquisas indicam que a fisiologia feminina faz com que as mulheres precisem dormir mais profundamente do que os homens.
"Com isso, nos referimos a mais sono N3, a fase mais profunda do sono não REM, e geralmente mais sono REM também", explicou Julio Fernandez-Mendoza, psicólogo do sono e pesquisador clínico da Penn State Health, nos EUA.
Mesmo em estudos laboratoriais controlados, onde homens e mulheres saudáveis são monitorados sem estresse ou privação de sono, as mulheres dormem consistentemente mais e de forma mais profunda.
"É daí que vem a ideia de que mulheres talvez precisem biologicamente de mais sono", disse Fernandez-Mendoza.
Esse conjunto de fatores pode estar ligado à resiliência biológica – um sistema de proteção observado em outras áreas da pesquisa, como saúde cardiovascular e longevidade.
"É natural que quando um corpo tem a capacidade de gerar vida ele precise ser protegido. Uma mulher precisa conseguir dormir e funcionar mesmo enquanto carrega outro ser humano", pontuou o psicólogo.
Apesar dessa resiliência biológica, as mulheres relatam sintomas de insônia com o dobro de frequência em relação aos homens.
Segundo Fernandez-Mendoza, isso começa já na puberdade. "Por volta dos 11 ou 12 anos, as meninas começam a relatar mais dificuldades para dormir do que os meninos, e essa tendência continua na vida adulta."
Dormir até mais tarde pode ajudar? "Dormir até mais tarde [nos finais de semana] pode ajudar a recuperar o sono defasado e fazer com que você se sinta mais alerta", explica o psicólogo do sono.
Mas isso não significa que o corpo esteja totalmente recuperado.
"Pode aliviar a sonolência, mas talvez não reverta os efeitos acumulados sobre a saúde", disse ele.
Estudos mostram, por exemplo, que funções cognitivas, como atenção e tempo de reação, demoram muito mais para se recuperar.