No mesmo evento da Sociedade Europeia de Cardiologia que alertou para os riscos das longas sonecas, tema da coluna de terça-feira, nossa microbiota ou flora intestinal foi assunto de destaque. Ela é composta por trilhões de microorganismos – basicamente bactérias e seres unicelulares conhecidos como arqueias – que realizam uma série de funções úteis. Tão úteis que pesquisadores divulgaram estudo, considerado especialmente importante, que reforça a tese da grande influência da microbiota na saúde e na doença, por estar associada a condições de pressão arterial, níveis de colesterol e o índice de massa corporal (IMC).
“Nosso estudo indica que a microbiota tem papel relevante na manutenção da saúde e pode nos ajudar a desenvolver novos tratamentos. Pesquisas anteriores mostraram que a composição do microbioma humano podia ser parcialmente explicada por variantes genéticas. Em vez de pesquisar a composição genética do microbioma em si, usamos as alterações genéticas para estimar sua composição”, declarou a doutora Hilde Groot, da Universidade de Groningen, na Holanda.
O percurso do trabalho foi o seguinte: foram avaliados os dados genéticos de mais de 420 mil pessoas, com idade média de 57 anos e sem relações de parentesco, sendo que 54% eram mulheres. Os pesquisadores descobriram que a existência de níveis elevados de 11 bactérias – a estimativa foi feita a partir dos dados do banco de genes – estava atrelada a 28 indicadores na saúde dos indivíduos, como, por exemplo, doença pulmonar obstrutiva crônica, atopia (a tendência hereditária de desenvolver doenças alérgicas como asma e eczema), frequência de consumo de álcool, pressão alta, níveis de colesterol e de índice de massa corporal acima do normal.
A doutora Groot citou como exemplo que níveis elevados da bactéria do gênero Ruminococcus estavam ligados ao risco aumentado para pressão alta. Em relação ao consumo de álcool, afirmou que tudo o que comemos e bebemos tem relação com o perfil do microbioma: “observamos níveis aumentados de Methanobacterium quando há consumo frequente de bebida. São achados que sustentam a tese de associação entre as substâncias produzidas em nossa microbiota intestinal e doenças”. E nós com isso? Num futuro não muito distante, podemos imaginar alimentos capazes de mudar o perfil da flora intestinal e diminuir os riscos de algumas doenças.
A farmacêutica chinesa Sinovac começará no próximo dia 28 a testar sua vacina contra a covid-19 em adolescentes e crianças, após testes feitos em adultos, que se encontram na fase final, terem dado resultados positivos, conforme revelaram fontes da empresa nesta quinta-feira (17) à Agência Efe.
No último dia 9, a Sinovac havia anunciado que os resultados dos testes da vacina CoronaVac nas fases 1 e 2 mostraram "boa segurança e imunogenicidade" em adultos saudáveis com mais de 60 anos de idade, assim como em pessoas entre 18 e 59 anos.
Os níveis de anticorpos em pessoas com mais de 60 anos foram ligeiramente mais baixos do que os encontrados em testes com uma população mais jovem, de acordo com a empresa.
A garantia de que a vacina possa ser aplicada em toda a população, incluindo crianças e adolescentes, é uma das chaves para a prevenção de surtos do vírus em escolas e creches.
Segundo um registro de estudo publicado em seu site pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, até 552 pessoas saudáveis com idades entre 3 e 17 anos receberão duas doses de CoronaVac e um placebo, um teste que combinará as fases 1 e 2.
Em 11 dias, os testes começarão na província de Hebei, no nordeste da China.
A vacina Sinovac, produzida na América Latina em cooperação com o Instituto Butantan, com sede em São Paulo, está na última fase de testes em larga escala em adultos em países como Brasil, Indonésia e Turquia.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), garantiu na última segunda-feira que pretendem imunizar todos os brasileiros com a vacina chinesa e posteriormente outros países latino-americanos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou testes clínicos da vacina Sinovac em 9 mil voluntários.
A CoronaVac tem assegurada 46 milhões de doses no país até dezembro e outras 16 milhões até o primeiro trimestre de 2012, segundo as autoridades brasileiras.
Cerca de 90% dos funcionários da farmacêutica chinesa em todo o mundo e suas famílias receberam suas doses, de acordo com a empresa.
A reação adversa que levou à suspensão dos testes globais da vacina de Oxford contra a covid-19, desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e a empresa farmacêutica sueca AstraZeneca, pode não estar associada ao imunizante, de acordo com um documento que descreve as informações da participante divulgado pela Universidade de Oxford nesta quarta-feira (16), segundo a Reuters.
"No ensaio atual, realizamos análises de segurança quando os voluntários nos ensaios de ChAdOx1 nCoV-19 desenvolvem sintomas neurológicos inexplicáveis, incluindo sensação alterada ou fraqueza nos membros e pausamos o estudo enquanto uma revisão de segurança ocorre", diz o documento.
"Após uma revisão independente, essas doenças foram consideradas improváveis de estarem associadas à vacina ou não há evidências suficientes para afirmar, com certeza, se essas doenças estavam ou não relacionadas à vacina. Em cada um desses casos, após considerar as informações, os revisores independentes recomendaram que as vacinações devem continuar. O monitoramento dos indivíduos afetados e de outros participantes terá continuidade", conclui o documento.
Os testes globais da vacina de Oxford contra a covid-19 chegaram a ser suspensos no dia 6 de setembro devido a uma suposta reação adversa grave em uma participante do Reino Unido. Ela desenvolveu mielite transversa, manifestação neurológica que afeta os nervos periféricos da coluna, segundo divulgado pelo jornal britânico Financial Times.
No último sábado (12), a AstraZeneca divulgou que os testes seriam retomados. Eles voltaram a ser realizados no Reino Unido, Brasil e África do Sul, mas não ainda não Estados Unidos, que realiza uma investigação própria.
No Brasil, a Anvisa autorizou o retorno do estudo na segunda-feira (14) e a participação de mais 5 mil voluntários na terça-feira (15), dobrando o número de participantes no país.
O acréscimo de voluntários ajudará a fornecer resultados mais sólidos sobre a segurança e eficácia da vacina, afirmou a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que coordena os testes no país, em nota, na terça-feira (15).
Segundo a universidade, a Anvisa também autorizou a ampliação da faixa etária de teste da vacina para participantes maiores de 69 anos e a inclusão de dois novos Estados nos testes de Oxford, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.
Já participam dos testes no Brasil São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Nesses locais, os testes tiveram início em 20 de junho. Até o momento, 4.600 voluntários foram vacinados e não houve registro de reações adversas graves, de acordo com a Unifesp.
O laboratório Bio-Manguinhos, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, produzirá a vacina no Brasil segundo acordo firmado pelo Ministério da Saúde.
Caso seja aprovada, serão 30 milhões de doses entre dezembro e janeiro e 70 milhões no primeiro semestre de 2021. A vacina é composta por adenovírus de chimpanzés, que causa o resfriado comum, enfraquecido, e fragmentos do novo coronavírus, para estimular o corpo a produzir anticorpos.
Experimentos conduzidos na Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto indicam que o novo coronavírus é capaz de infectar e levar à morte diferentes tipos de linfócitos – células-chave na defesa do organismo contra patógenos. Não se sabe ainda se há queda na imunidade decorrente desse ataque e qual seria a sua duração, mas os pesquisadores não descartam a possibilidade de a infecção deixar algum tipo de sequela no sistema de defesa.
Resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foram divulgados no repositório bioRxiv. O artigo está em processo de revisão por pares. “Logo no início da pandemia percebeu-se que a linfopenia [queda acentuada na contagem de linfócitos do sangue] era uma alteração hematológica frequente em pacientes com COVID-19 hospitalizados e que esse quadro estava associado a um prognóstico ruim, ou seja, maior risco de intubação e morte. Mas até agora não estava claro qual era a causa do problema”, conta à Agência FAPESP o virologista Eurico Arruda, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador da investigação.
Durante uma infecção viral, explica o cientista, é esperado que parte das células de defesa saia da circulação e migre para o tecido afetado para ajudar no combate aos invasores. Contudo, autópsias de pacientes que morreram em decorrência da síndrome respiratória aguda grave associada ao SARS-CoV-2 mostraram que a quantidade de linfócitos presente nos tecidos infectados não era suficiente para explicar o quadro de linfopenia detectado quando essas pessoas ainda estavam internadas.
“Certamente deveria haver outro mecanismo envolvido. Decidimos então investigar se as células de defesa de pacientes com COVID-19 tinham o vírus em seu interior. Alguns grupos tinham descrito que a carga viral era praticamente indetectável no sangue, mas eles tinham olhado para o fluido como um todo. Nós isolamos apenas as células mononucleares [grupo que inclui monócitos e linfócitos] e fizemos uma espécie de concentrado de linfócitos”, explica o pesquisador.
Antes de analisar os leucócitos de pacientes, porém, os pesquisadores fizeram diversos experimentos com amostras sanguíneas de cinco voluntários saudáveis para testar a hipótese de que o SARS-CoV-2 seria capaz de infectar e matar linfócitos.
O concentrado de células mononucleares obtido a partir do sangue de doadores sadios foi incubado com o vírus durante dois dias. Com um anticorpo capaz de reconhecer antígenos do vírus no interior das células, os pesquisadores comprovaram que o processo de infecção tinha ocorrido. As análises mostraram que os monócitos foram as células mononucleares mais suscetíveis ao SARS-CoV-2 (44% estavam infectadas), seguidos pelos linfócitos T CD4 (responsáveis por coordenar a defesa imunológica por meio da liberação de moléculas sinalizadoras conhecidas como citocinas; 14%), linfócitos T CD8 (capazes de reconhecer e matar células infectadas pelo vírus; 13%) e linfócitos B (os produtores de anticorpos; 7%).
A carga viral no concentrado celular foi medida por RT-PCR – o mesmo teste molecular feito para diagnosticar a COVID-19 em pacientes – após seis, 12, 24 e 48 horas. Observou-se um aumento consistente da quantidade de vírus, que chegou a ser 100 vezes maior na última análise. Tal resultado indicava que o microrganismo não apenas tinha entrado nas células mononucleares de voluntários como também estava se replicando em seu interior.
“Quando tratamos a cultura com um composto capaz de inibir a protease usada pelo SARS-CoV-2 para se replicar, observamos uma redução importante da carga viral. Esse é mais um indício de que o vírus estava se replicando nessas células, mas ainda não sabemos em quais delas exatamente”, afirma Arruda Neto.
Em outro experimento, o grupo tentou bloquear a infecção com um inibidor de ACE2 – a proteína usada pelo microrganismo para entrar na célula humana, normalmente expressa em baixas quantidades nas células mononucleares do sangue.
“O tratamento com inibidor de ACE2 reduziu a carga viral na cultura, mas não a aboliu totalmente, o que sugere a existência de um mecanismo alternativo de infecção em células linfoides. Isso não é algo raro entre os vírus, que podem usar variadas moléculas para se ligar a diferentes tipos de células, a exemplo de HIV e adenovírus.
Ao investigar mais detalhadamente os linfócitos T CD4 e T CD8 infectados, os cientistas notaram que a entrada do vírus desencadeou um mecanismo de morte celular programada conhecido como apoptose. Segundo Arruda, essa é uma possível explicação para a linfopenia observada em pacientes com COVID-19.
Infecção
A etapa seguinte da pesquisa foi feita com células mononucleares de 22 pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com quadros moderados ou severos de COVID-19. O material foi coletado entre os dias 7 de abril e 18 de junho no Hospital das Clínicas da FMRP-USP.
As análises mostraram que nem todos os indivíduos tinham em seus leucócitos uma marcação expressiva para a presença do vírus e que a taxa de células positivas variava bastante entre eles – de 0,16% a 33,9%. “Os pacientes tinham perfis clínicos variados e estavam em diferentes estágios da doença, o que dificultou a comparação. Mas o fato é que conseguimos identificar a presença do vírus no interior das células mononucleares de portadores da COVID-19”, diz Arruda Neto.
O grupo selecionou amostras de 15 indivíduos para analisar as diferenças individuais nas taxas de células positivas para SARS-CoV-2. Para isso, os pacientes foram estratificados com base no tempo de coleta de amostra após o início dos sintomas. Essa análise evidenciou que as taxas de linfócitos B infectados foram as mais altas em todos os indivíduos. Isso poderia ajudar a entender por que algumas pessoas quase não apresentam anticorpos após a infecção – hipótese atualmente em investigação.
Já no caso dos monócitos, quanto mais avançada estava a doença, maiores eram as taxas de células positivas – resultado semelhante ao observado para os linfócitos T CD4.
Por meio de técnicas como imunofluorescência e microscopia confocal, os cientistas confirmaram a presença de uma fita dupla de RNA viral no interior das células infectadas – um indicativo de que o patógeno, cujo genoma é composto por uma fita simples de RNA, estava em processo de replicação.
“O conjunto de dados sugere, portanto, que o novo coronavírus pode infectar e se replicar nos linfócitos. Isso é um potencial complicador, pois pode deixar o paciente suscetível a infecções oportunistas e os hospitais estão repletos de bactérias resistentes. Os médicos precisam estar atentos a esse fato. Além disso, ainda não sabemos que tipo de efeito tardio isso pode ter no sistema imune, só descobriremos mediante investigações a serem feitas no seguimento dos pacientes convalescentes”, diz Arruda.