Um estudo brasileiro reforça o valor e a segurança das atividades físicas no lazer durante a gravidez, inclusive em um cenário de maior vulnerabilidade social. Com base em dados de gestantes de uma cidade no Acre, os pesquisadores associaram a prática de ao menos 150 minutos de exercícios por semana, como recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), a uma redução do peso do bebê no nascimento, o que é positivo para evitar consequências como obesidade e diabetes na infância. E isso sem aumentar o risco de a criança nascer com peso abaixo do esperado para a idade gestacional.

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O artigo, publicado no periódico PLOS ONE, é fruto do “Estudo MINA – materno-infantil no Acre: coorte de nascimentos da Amazônia ocidental brasileira”, projeto que vem sendo conduzido desde 2015, com apoio da FAPESP, sob a coordenação de pesquisadores FSP-USP (Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo). “Outros trabalhos já haviam investigado o efeito das atividades físicas no lazer durante a gestação, tanto sobre o peso do bebê como para outros desfechos. Mas faltavam pesquisas prospectivas de países de baixa e média renda sobre a temática”, conta Marly Augusto Cardoso, nutricionista e coordenadora do projeto.

Segundo Cardoso, diferenças étnicas poderiam influenciar nos resultados – ao contrário de outros levantamentos, cerca de 80% da população analisada se autodeclarou não branca. Acima disso, características próprias de áreas menos assistidas precisam entrar nessa equação.

Por exemplo, em países ricos, a preocupação em relação ao peso do bebê fica mais restrita a um extremo do problema: o do excesso de peso ao nascer. Já em locais de baixo status socioeconômico, a desnutrição materno-infantil é mais comum, o que pode contribuir para a ocorrência de crianças com baixo peso ao nascer.

Além disso, mulheres de regiões pobres tendem a fazer mais atividade física no trabalho ou no lar. “Será que, nesse contexto, a atividade física no lazer aumentaria o índice de bebês pequenos para a idade gestacional?”, questiona Cardoso.

A pesquisadora aponta que o projeto Mina-Brasil apresenta casuística com os dois extremos em sua amostra – baixo peso e excesso de peso ao nascer –, o que permitiu responder a essa questão. “É o primeiro estudo prospectivo de um país de média renda, com maioria de mulheres não brancas, a examinar o efeito da atividade física no lazer durante a gestação no peso dos filhos”, reitera o artigo.

A coleta de dados

A população estudada pelo grupo da FSP-USP é de Cruzeiro do Sul, uma cidade do Acre com cerca de 88 mil habitantes. Entre fevereiro de 2015 e janeiro de 2016, gestantes do município foram acompanhadas e, após o consentimento dos familiares, os recém-nascidos também foram avaliados.

Os participantes foram examinados e responderam a questionários sobre diferentes aspectos, do estilo de vida à infecção por malária, passando pelo consumo alimentar infantil e pela microbiota intestinal. “Queremos abordar diferentes perguntas com essa coorte”, diz Cardoso.

Para esse artigo especificamente, os pesquisadores recorreram a informações sobre atividade física no lazer disponibilizadas por 500 voluntárias incluídas no projeto. As mulheres reportaram a quantidade de atividades realizadas no segundo e no terceiro trimestre da gravidez, em seguida tiveram o peso aferido.

A partir daí, foram categorizadas entre as que atingiram o mínimo recomendado de 150 minutos de exercícios por semana e as que estavam abaixo desse limiar. O peso dos bebês, por sua vez, foi medido ao nascer.

A primeira constatação: somente 7,3% das gestantes no segundo trimestre e 9,5% no terceiro alcançaram os 150 minutos semanais de atividade física no lazer. Antes da gestação, esse número era de 42%.

“Infelizmente, essa não é uma particularidade de Cruzeiro do Sul. Até hoje muitos profissionais recomendam repouso nessa fase da vida, principalmente no primeiro trimestre de gestação”, lamenta Maíra Malta, professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos (Unisantos) e coautora do artigo. “No entanto, temos fortes e sólidas evidências sobre os benefícios da atividade física no lazer para o binômio materno-infantil”, reforça Malta.

Peso adequado

O hábito de praticar ao menos 150 minutos semanais de atividade física no terceiro trimestre de gestação foi ligado a uma redução média de 137,9 gramas no peso de nascimento da criança. Essa diminuição, no entanto, não culminou em uma maior taxa de nascidos abaixo da faixa de peso ideal. “Ou seja, a atividade física reduz o risco de o bebê apresentar peso excessivo ao nascer, sem levar ao extremo oposto”, interpreta Malta.

O estudo também aponta que esse efeito foi parcialmente mediado pelo ganho de peso excessivo das mães ao longo da gestação. Em outras palavras, uma parcela do resultado obtido provavelmente decorre do fato de que os exercícios ajudam a evitar o acúmulo excessivo de peso entre as gestantes.

Como mulheres que engordam mais na gravidez tendem a dar à luz filhos maiores, o manejo adequado do peso da mãe por meio da atividade física explicaria parte da redução do peso do filho ao nascer – mas não ele todo.

“Foi um pequeno efeito mediador”, esclarece Malta. Estudos anteriores relataram que as associações permaneceram significativas após o ajuste para o índice de massa corporal (IMC) materno, sugerindo que o efeito da atividade física no peso ao nascer é apenas parcialmente mediado pelo peso materno.

Esses resultados não foram encontrados entre mulheres que atingiram a recomendação de atividade física no lazer durante o segundo trimestre da gestação.

“O nosso trabalho destaca a necessidade de os profissionais de saúde valorizarem a atividade física na gestação, especialmente entre mulheres com tendência a ganhar mais peso nessa fase”, argumenta Cardoso. “Claro que há necessidade de uma avaliação obstétrica durante o pré-natal, até porque certos casos demandam repouso. Mas precisamos reduzir as taxas de sedentarismo nessa população”, completa.

Limitações e planos futuros

O estudo Mina-Brasil integra a rede de colaboração internacional The Gestational Weight Gain (GWG) Pooling Project Consortium, financiada pela Fundação Bill e Melinda Gates. O grupo investiga o impacto do ganho de peso gestacional em relação a desfechos de saúde materno-infantil em países de baixa e média renda.

Como poucas gestantes dessa coorte alcançaram as recomendações de 150 minutos de atividade física por semana, não foi possível avaliar o efeito da intensidade dessas práticas no peso do bebê e em outros desfechos. Pelo mesmo motivo, os pesquisadores também não conseguiram mensurar se há uma correlação contínua entre o tempo dedicado às atividades físicas e a magnitude dos benefícios.

Além disso, a população do estudo não contemplou gestantes de áreas rurais, que podem apresentar outras particularidades. “Mais investigações são necessárias nesse sentido”, apontam os autores no artigo.

Os pesquisadores continuarão acompanhando essas mulheres e seus filhos para averiguar o impacto da atividade física em médio e longo prazo. Em paralelo, o projeto seguirá investigando diferentes parâmetros de saúde e de estilo de vida na amostra. Trabalhos anteriores já mostraram, por exemplo, que a exposição recorrente à malária eleva o risco de anemia nos primeiros anos de vida.

Agência Fapesp

Foto: Estudo Mina/divulgação

A avaliação inicial foi realizada com 21 gestantes positivas para Covid e seus bebês. As mães fizeram uma série de exames durante e após a gravidez, com testes hormonais, salivares e questionários psicológicos, por exemplo. As análises foram reguladas para idade infantil, sexo e outras condições.

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"Nem todos os bebês nascidos de mães infectadas com Covid apresentam diferenças de desenvolvimento neurológico, mas nossos dados mostram que seu risco é maior em comparação com aqueles não expostos ao Covid no útero", orientou a líder do projeto, Rosa Ayesa Arriola.

Os testes pós-natais incluíram uma NBAS (Escala de Avaliação Comportamental Neonatal), para medir o movimento e o comportamento do recém-nascido. 

"Descobrimos que certos elementos da medição NBAS foram alterados em bebês de 6 semanas que foram expostos ao vírus Sars-CoV-2. Efetivamente, eles reagem de maneira um pouco diferente ao serem abraçados", afirma a investigadora Águeda Castro Quintas, da Rede Centro de Investigação Biomédica em Saúde Mental, da Universidade de Barcelona. 

A pesquisa constatou que os casos mais recorrentes aconteceram quando o contágio se deu no fim da gravidez. Os principais sintomas são maiores dificuldades em relaxar e ajustar o corpo no colo e movimentar a cabeça e os ombros. Esses indícios evidenciam um possível efeito da Covid-19 no controle do movimento dos bebês.  

A pesquisadora destaca que não se pode afirmar com certeza se a sintomatologia vai continuar a longo prazo e se resultará em problemas. Entretanto, as observações devem continuar, a fim de auxiliar no entendimento da situação. 

“É claro que em bebês tão jovens há várias coisas que simplesmente não podemos medir, como habilidades de linguagem ou cognição. Também precisamos estar cientes de que esta é uma amostra comparativamente pequena, por isso estamos repetindo o trabalho e vamos acompanhá-lo por um período mais longo", afirmou a copesquisadora Nerea San Martín.

O projeto pretende observar a linguagem e o desenvolvimento motor dos bebês entre 18 e 42 meses e avaliar os efeitos a longo prazo. 

R7

Foto: reprodução Freepik

Pessoas com histórico de depressão anterior à pandemia podem ter risco aumentado de hospitalização por Covid-19, segundo um estudo realizado por pesquisadores da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, que acompanhou mais de 54 mil pacientes entre 2020 e 2021.

Durante o período de avaliação, os cientistas observaram fatores como ansiedade, preocupação com a pandemia, estresse e solidão. Entre os participantes que foram acompanhados na pesquisa, mais de 3.600 foram diagnosticados com Covid-19.

Desse total, os que tinham indicadores de depressão, mas não um diagnóstico, apresentaram 81% mais risco de ser hospitalizados pela infecção causada pelo Sars-CoV-2; enquanto aqueles que tiveram depressão crônica por um longo período apresentaram 72% mais probabilidade de ser internados pela doença. Além disso, os pacientes que descreveram sentimentos de solidão também experienciaram um risco mais alto de complicações pela Covid-19, com cerca de 81% a mais de probabilidade de ir para o hospital. O sentimento de preocupação com a pandemia também foi associado a um aumento de 79% do risco de complicações pela doença.

Após os resultados, os pesquisadores afirmaram que o sofrimento psicológico está associado a quadros graves de Covid-19, com necessidade de internação, tanto quanto comorbidades como colesterol e hipertensão.

“A avaliação do sofrimento psíquico pode identificar pacientes com maior risco de internação. Trabalhos futuros devem examinar se a abordagem do sofrimento melhora os resultados da saúde física”, diz a conclusão do estudo publicado recentemente na revista Psychological Medicine, da Universidade de Cambridge.

R7

Pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) recorreram a um método nada convencional para tratar a Covid-19 em uma paciente com doença genética rara que torna seu sistema imune incapaz de combater vírus e outros patógenos.

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Durante uma semana, ela foi orientada a ingerir 30 mililitros de leite materno – de uma doadora vacinada contra o SARS-CoV-2 – a cada três horas. Após esse período, o resultado do teste de RT-PCR – que há mais de 120 dias vinha indicando a presença do RNA viral – finalmente veio negativo.

O caso foi relatado em artigo publicado na revista Viruses. Os autores receberam apoio da FAPESP por meio de quatro projetos. “Tenho acompanhado essa paciente desde criança e quando ela me contou que estava com Covid-19 eu fiquei muito apreensiva. O erro inato da imunidade que ela apresenta deixa seu sistema de defesa todo desregulado. Sua resposta inflamatória é deficitária, há poucas células se mobilizando para o local da inflamação e baixa produção de anticorpos. As características de virulência dos agentes infeciosos podem levar a dois desfechos nesses casos: infecção crônica ou morte”, conta a pediatra Maria Marluce dos Santos Vilela, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-Unicamp) e autora principal do artigo.

A pesquisadora explica que o sistema imune humano e dos demais mamíferos produz normalmente cinco tipos de anticorpos: as imunoglobulinas IgM, IgG, IgA, IgE e IgD. Portadores dessa doença – conhecida como síndrome de imunodesregulação – geralmente têm pouco IgE e, em alguns casos, ausência completa de IgA, o principal anticorpo neutralizante de vírus e outros patógenos, que costuma estar presente no leite materno, nas secreções respiratórias e gastrintestinais.

Além disso, há uma produção muito baixa de IgG, normalmente o anticorpo mais abundante no sangue e responsável por reconhecer e neutralizar antígenos com os quais o organismo já teve contato prévio. Há apenas 157 casos do tipo descritos no mundo, caracterizados em estudo publicado no Journal of Allergy and Clinical Immunology, do qual Vilela é coautora.

“Nossa estratégia foi manter a paciente isolada em casa, sob os cuidados da mãe – que monitorou a oxigenação, temperatura corporal e a nutrição. No hospital ela poderia contrair uma infecção bacteriana, o que tornaria o quadro ainda mais grave. E desde o diagnóstico, em março de 2021, nós a acompanhamos periodicamente por vídeo”, conta a médica.

Nos primeiros 15 dias de infecção a paciente apresentou febre, perda de apetite e de peso, tosse e indisposição. Mas para surpresa e alívio de Vilela, o pulmão e demais sistemas mantiveram-se inalterados. Passados dois meses, o quadro permanecia o mesmo e o grupo então decidiu testar, em parceria com o Hemocentro da Unicamp, o tratamento com plasma de convalescente, ou seja, a transfusão de anticorpos produzidos por pessoas que haviam se curado da Covid-19, principalmente os do tipo IgG.

O procedimento foi feito e promoveu melhora dos sintomas e redução de marcadores inflamatórios no sangue. Mas, após 15 dias, o exame de RT-PCR permanecia positivo e a paciente seguia apresentando sintomas leves e sinais do que os médicos chamam de adinamia, que é uma grande fraqueza muscular associada a processos infecciosos prolongados.

“Ficamos receosos de que a infecção se prolongasse por muito tempo, o que a debilitaria ainda mais e aumentaria o risco de contaminar outras pessoas. Nessa mesma época, saíram os resultados de um estudo mostrando que mulheres lactantes imunizadas com a vacina da Pfizer produziam leite com uma quantidade razoável de IgA. Decidimos então fazer a experiência assistencial de reposição de IgA via leite materno”, conta Vilela.

A pesquisadora conta que só foi possível fazer o ensaio porque há no país uma legislação rígida que garante a segurança dos bancos de leite. Somente podem doar mulheres saudáveis, com testes negativos para doenças infecciosas como Aids, sífilis e hepatite, entre outras. E o sistema também permite saber se a doadora foi imunizada.

“Recomendamos a ela o consumo do leite por via oral, pois o IgA funciona como uma ‘vassoura’, ou seja, vai grudando nos patógenos ao longo de todo o trato gastrointestinal e tudo que é impróprio é eliminado nas fezes. O intervalo de três horas entre as doses – exceto no período noturno – foi pensado para não dar chance de o vírus continuar se replicando”, conta a pediatra.

O teste negativou após uma semana e outros dois exames, feitos com intervalos de dez dias cada, também não detectaram a presença do SARS-CoV-2. “E ainda seguimos fazendo testes de RT-PCR para SARS-CoV-2. Nossa preocupação é que, com as novas variantes, ela adquira uma infecção assintomática”, diz a médica.

Sempre o mesmo vírus

Segundo dados do artigo, a paciente permaneceu ao menos 124 dias com o vírus ativo em seu organismo. Para ter certeza de que se tratava do mesmo patógeno, e não de infecções sucessivas, os pesquisadores da Unicamp sequenciaram o genoma do SARS-CoV-2 isolado de três amostras coletadas em diferentes momentos para fins de diagnóstico.

Em duas amostras também foi possível quantificar o número de partículas virais. Essa parte da investigação foi liderada pelo professor José Luiz Proença Módena, coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve).

“Os resultados de sequenciamento demonstraram que a paciente foi infectada pela variante gama (P.1) do SARS-CoV-2, aquela que surgiu em Manaus no final de 2020 e causou um colapso no sistema de saúde por lá no início de 2021. Além disso, os dados mostraram que a paciente foi cronicamente infectada por esse mesmo vírus e não sucessivamente infectada por vírus diferentes, já que nenhuma mutação no genoma viral foi encontrada nas três reações de sequenciamento realizadas com amostras da paciente coletada em momentos diferentes”, relata Módena.

Na avaliação de Vilela, o ensaio só foi possível graças aos recursos oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). “Foi a rede do SUS que permitiu o resgate das amostras para as análises genômicas. E, além disso, garantiu a segurança tanto do plasma de convalescente quanto do leite materno usado no tratamento. E como o controle de qualidade da rede é o mesmo em todo o país, eu pude instruir um colega do Acre a atender um paciente com uma imunodeficiência similar”, conta.

Módena ressaltou ainda a importância da “interação entre as áreas clínicas e básicas, por meio de uma pesquisa colaborativa, multidisciplinar e translacional, muito incentivada pela FAPESP”.

Agência Fapesp

Foto: ELZA FIÚZA/AGÊNCIA BRASIL