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As doenças priônicas são raras. Mas são devastadoras. Não têm cura. Depois do diagnóstico, a evolução costuma ser rápida, em meses.

Essas doenças afetam o cérebro. A mais conhecida nos humanos é a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ). Ela causa perda de memória, alterações de comportamento e de movimentos. A progressão é acelerada e leva ao óbito.

Há um ponto chave: as doenças priônicas têm caráter infeccioso muito particular. O agente não é um vírus nem uma bactéria. É uma proteína que “entorta” do jeito errado e consegue induzir outras iguais a também se dobrarem do jeito errado. Por isso, a vigilância é essencial. Na saúde pública e na economia.

Você talvez se lembre do “mal da vaca louca”, a encefalopatia espongiforme bovina. Quando um caso aparece, países importadores podem suspender compras de carne por precaução. Isso aconteceu com o Brasil em 2023: as exportações para a China foram temporariamente interrompidas após um caso atípico confirmado. O impacto foi imediato no comércio.

O que acontece no cérebro Vamos simplificar o mecanismo. Todos nós temos a proteína priônica normal (PrPC). Em condições que ainda estamos desvendando, parte dela muda de forma e vira PrPSc, a forma “errada”. Essa forma atua como molde. Encosta na proteína normal e a faz copiar o mesmo erro. É um efeito dominó molecular.

Com o tempo, esses “blocos” mal dobrados se juntam e formam agregados. Eles são rígidos, parecidos com fibras. No tecido, vemos lesões microscópicas que lembram uma esponja. O resultado é perda de neurônios e de funções cerebrais.

Outro problema: essas proteínas doentes resistem a desinfetantes e métodos comuns de esterilização. Por isso, hospitais seguem protocolos específicos para reduzir o risco em materiais que tiveram contato com tecidos de alto risco. É cuidado redobrado e baseado em evidências.

Diagnóstico ainda é um desafio — mas há avanços Desde 2005, quando a vigilância nacional iniciou o controle dos casos da doença Creutzfeldt-Jakob em humanos, foram registrados 1.576 casos suspeitos. Pelas estatísticas mundiais, este número deveria ser de 3.200, ou seja, pode ser uma subnotificação. E essa lacuna diagnóstica se deveu por muito tempo, entre outros fatores, à ausência de centros de referência suficientes com domínio da tecnologia para o diagnóstico dessas doenças no país.

Por muito tempo, o diagnóstico definitivo era neuropatológico, ou seja, após o falecimento do paciente analisava-se tecido cerebral. Mas precisávamos de ferramentas confiáveis em vida. Durante anos, nos guiamos por sinais clínicos, ressonância, eletroencefalograma e marcadores como a proteína 14-3-3 no líquor. Eles ajudavam, mas não eram específicas o suficiente.

Nos últimos anos, um teste mudou o jogo: o RT-QuIC (da sigla em inglês, Conversão Induzida por Agitação em Tempo Real). Ele detecta a presença do príon anormal em amostras como o líquor. É sensível, específico e vem sendo incorporado em critérios internacionais. Hoje, por exemplo, o CDC dos EUA considera um RT-QuIC positivo como critério para classificar um caso como “provável” da doença de Creutzfeldt-Jakob.

No Brasil, demos passos importantes para implementar o teste e criar um centro de referência. Há alguns anos, publicamos um artigo em parceria com cientistas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, no qual abordamos a disponibilidade ainda insuficiente desses testes em países em desenvolvimento, e exploramos os resultados de um teste piloto que fizemos.

No estudo, relatamos o primeiro uso piloto do IQ-CSF em uma pequena coorte de pacientes brasileiros com possível ou provável doença de Creutzfeldt-Jakob. Os testes foram realizados sem acesso aos dados clínicos.

Oito pacientes apresentaram-se à nossa equipe com demência rapidamente progressiva e sinais neurológicos típicos da doença. Utilizamos amostras de sete pacientes com outras condições neurológicas como controles negativos. Cinco dos sete casos suspeitos tiveram testes positivos; dois apresentaram resultados inconclusivos. Entre os controles, houve um falso-positivo.

Os resultados desse estudo piloto ilustraram a viabilidade de realizar testes de líquor para Creutzfeldt-Jakob também em centros brasileiros e ressaltou a importância da colaboração interinstitucional para alcançar maior precisão diagnóstica da doença no Brasil e na América Latina.

De lá para cá, muitos avanços. Mas apesar das conquistas, nossas diretrizes oficiais para notificação e investigação, publicadas em 2018, não citam o RT-QuIC nos critérios. Isso precisa ser atualizado para alinharmos vigilância e assistência com o estado da arte.

Atualmente, atuamos para oferecer RT-QuIC com qualidade e rapidez. Nosso laboratório NB3 para o diagnóstico e desenvolvimento de estratégias terapêuticas para doenças infecciosas, localizado no Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da UFRJ, é o único na América Latina que realiza rotineiramente esse ensaio de ponta. E estamos negociando uma parceria com um laboratório de análises de líquor para formalizar o fluxo e viabilizar o custeio de insumos, pois até agora são financiados exclusivamente por nós.

Acreditamos na importância de oferecer esse teste para todos os casos suspeitos, pois encurta o caminho entre clínica e a confirmação laboratorial, além de fortalecer a vigilância nacional.

E o que mais investigamos? O nosso grupo também trabalha em outros dois eixos além do diagnóstico: entender os mecanismos moleculares dessas doenças priônicas e terapia. Buscamos moléculas capazes de impedir ou reverter a agregação da proteína priônica.

Exploramos compostos de origem natural e biomoléculas inspiradas em mecanismos do próprio organismo. A ideia é simples: se a doença nasce de uma cadeia de “más influências” moleculares, precisamos de agentes que interrompam a conversa tóxica entre as proteínas.

Recentemente, publicamos um outro artigo que investigou o potencial do uso da Moringa oleífera, também conhecida popularmente pelos nomes de acácia-branca, árvore-rabanete-de-cavalo e quiabo-de-quina. É uma planta que tem potencial para impedir ou reverter a formação dessas proteínas anormais. Analisamos um extrato das folhas da planta e descobrimos dois compostos principais: ácido clorogênico, produzido também pelas plantas de café e batata, e ácido neoclorogênico.

Essas substâncias mostraram duas ações importantes nos testes que realizamos em laboratório: a Moringa oleífera impediu que a proteína normal se transformasse na forma patogênica, reduzindo a formação de agregados tóxicos. Além disso, o extrato da planta conseguiu desfazer parcialmente os agregados já formados, algo especialmente promissor para o desenvolvimento de terapias.

Os resultados deste estudo, que foi publicado no periódico ACS Omega, indicam que a Moringa oleifera pode ser uma fonte promissora de novos medicamentos contra doenças priônicas e outras condições relacionadas ao acúmulo de proteínas anormais no cérebro. Ainda serão necessários estudos em animais e testes clínicos para confirmar sua eficácia e segurança, mas o potencial terapêutico é significativo.

Brasil sedia encontro global Em 2025, o principal congresso internacional sobre príons - realizado anualmente há duas décadas — acontecerá pela primeira vez abaixo da linha do Equador.

Será em Búzios, no Rio de Janeiro, de 3 a 7 de novembro de 2025.Prion 2025 reunirá especialistas de vários países como Itália, Estados Unidos, Chile, entre outros para discutir como podemos avançar das pesquisas que vão do laboratório ao leito do paciente: mecanismos moleculares, modelos animais, terapias em desenvolvimento e estratégias de diagnóstico.

Este ano, o encontro traz um diferencial importante. Receberemos a reunião do International CJD Surveillance Network (ICSN). Representantes de vigilância de diversos países apresentarão dados, debaterão respostas frente a novas formas de doenças priônicas e procuraremos alinhar caminhos para intervenções terapêuticas. É ciência, saúde pública e gestão governamental conversando na mesma mesa.

Outro eixo fundamental será aproximar a ciência da sociedade. Teremos uma atividade organizada com associações de apoio a pacientes e familiares: o dcjBRASIL, a Associação Portuguesa de Doenças Priónicas e a CJD International Support Alliance (CJDISA), rede que conecta organizações de vários países. Esse diálogo é vital. Ele acolhe famílias, combate a desinformação e ajuda a orientar políticas públicas.

E agora? As doenças priônicas nos desafiam. Elas nos forçam a inovar no diagnóstico, a pensar terapias que atuem sobre a forma e a conversa das proteínas, e a manter vigilância constante. Isso exige investimento, colaboração internacional e atualização de diretrizes nacionais.

Além disso, nos últimos dez anos, pesquisas em todo o mundo revelaram que mecanismos semelhantes aos das doenças priônicas também estão presentes em diversas condições neurodegenerativas — como a doença de Alzheimer, o Parkinson e a Esclerose Amiotrófica Lateral — e até mesmo em certos tipos de câncer associados à mutação da proteína p53. Nesses casos, observa-se um comportamento “príon-like”: formas mal dobradas dessas proteínas atuam como sementes que induzem outras cópias normais a adotar a mesma conformação anômala, propagando a disfunção de maneira autocatalítica dentro das células e entre tecidos.

Essas descobertas redefiniram nossa compreensão de como proteínas instáveis podem contribuir para a progressão de doenças complexas, tanto nas doenças neurodegenerativas como oncológicas. Alguns dos estudos mais recentes sobre esses mecanismos de propagação molecular — incluindo estratégias terapêuticas para interromper essa “cadeia de infecção conformacional” — serão debatidos em profundidade durante o congresso Prion 2025, que ocorrerá em Búzios.

A ciência avança quando aproximamos o laboratório da vida real. É isso que queremos fazer aqui no Brasil. Em Búzios, em novembro de 2025, o mundo das doenças priônicas estará reunido e esperamos mais avanços.

Todos os avanços avanços acima descritos foram viabilizados pelo aporte financeiro de agências brasileiras de fomento como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). E a publicação deste artigo contou com financiamento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biologia Estrutural e Bioimagem (Inbeb/CNPq).

Tuane Vieira recebe financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Jerson Lima Silva recebe financiamento da Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)

Por The Conversation Brasil

O clonazepam, calmante mais vendido do Brasil, é parte da rotina de milhões de brasileiros — especialmente de idosos. As estimativas apontam que ao menos 2 milhões de pessoas acima de 60 anos fazem uso do medicamento no país.

Só em 2024, foram 39 milhões de caixas comercializadas, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O uso, que deveria ser restrito a crises agudas de ansiedade ou insônia, se prolonga por anos e, silenciosamente, transforma o alívio em dependência.

Nos consultórios, os relatos se repetem: “Se eu não tomar clonazepam, não durmo.” “Sem ele, fico agitada.” As frases foram ouvidas pelo neurologista Alan Eckeli, especialista em Medicina do Sono e professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Elas são, quase sempre, ditas por pacientes acima dos 60 anos — e anunciam uma dependência silenciosa.

“Muitos chegam com a receita renovada há anos, sem lembrar quando começaram a usar o remédio”, conta Eckeli. “O efeito é rápido e eficaz, e é exatamente isso que o torna perigoso. O medicamento funciona — mas, equivocadamente, passa a ser tomado sem fim.” Segundo o médico, a banalização do uso começa ainda na prescrição. “Muitas vezes, quem indica o clonazepam não tem formação em sono ou saúde mental. A insônia é tratada como sintoma, não como doença — e o tratamento se eterniza.”

RESUMO DA REPORTAGEM EM 7 PONTOS

Clonazepam deveria ser usado apenas em crises agudas de ansiedade ou insônia, mas acaba virando rotina. O calmante é usado equivocadamente para preencher vazios emocionais: é tomado para aliviar solidão, luto e dor crônica. Muitos pacientes pedem a receita e resistem à retirada, mesmo após anos de uso contínuo. O uso prolongado causa problemas: perda de memória, risco de quedas e prejuízo cognitivo. A alta taxa de consumo no Brasil é fruto de uma longa história de prescrição excessiva desde os anos 1990. O problema está no uso sem acompanhamento: o remédio induz o sono, mas não o sono de qualidade. O desmame é lento e exige acompanhamento médico, com mudanças de rotina e apoio psicológico. O mais popular entre os benzodiazepínicos O clonazepam, de nome comercial Rivotril, pertence à classe dos benzodiazepínicos, medicamentos que atuam reforçando o GABA, um neurotransmissor responsável por desacelerar a atividade cerebral.

Ele é indicado oficialmente para o tratamento de epilepsia, transtornos convulsivos, crises de pânico, ansiedade e distúrbios do sono, de acordo com a bula aprovada pela Anvisa.

O efeito calmante aparece rápido — o corpo relaxa, a mente desacelera — e a sensação pode durar até 24 horas, graças à liberação lenta do princípio ativo, que mantém o efeito por mais tempo.

No entanto, seu uso contínuo como ansiolítico diário é incorreto e não recomendado, já que o medicamento foi desenvolvido para tratamentos de curta duração ou situações específicas, sob acompanhamento médico.

Levantamento nacional da Pesquisa sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), publicado em 2022, mostra que ao menos 2 milhões de idosos brasileiros usam benzodiazepínicos — e 41,3% deles especificamente o clonazepam.

Apesar do alto número de usuários, o clonazepam é um medicamento controlado, de tarja preta, cuja venda só é permitida mediante receita azul, válida por 30 dias e retida pela farmácia a cada compra. A prescrição deve ser feita por médico habilitado, e cada dispensação fica registrada em um sistema nacional monitorado pela Anvisa e pelas vigilâncias estaduais.

Dados mais recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmam a liderança. Segundo relatório da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), o Brasil registrou 39 milhões de unidades de clonazepam vendidas em 2024.

O volume supera, por ampla margem, o de outros ansiolíticos do mesmo grupo, como o alprazolam (20,5 milhões de unidades), o bromazepam (15,3 milhões) e o diazepam (7,7 milhões).

Até mesmo as chamadas “drogas Z”, apresentadas como alternativas mais modernas para tratar insônia, ficam para trás: o zolpidem, o mais popular entre elas, registrou 15,9 milhões de unidades vendidas em 2024.

Por que o clonazepam é tão usado A popularidade do clonazepam tem explicações que misturam ciência e cultura.

O geriatra Pedro Curiati, do Núcleo de Geriatria do Hospital Sírio-Libanês, explica que o medicamento tem meia-vida longa — ou seja, permanece ativo no organismo por até 24 horas após a ingestão.

Esse efeito prolongado é o que garante uma noite de sono mais contínua e uma sensação duradoura de calma, mas também faz com que a substância se acumule no corpo.

“No idoso, cujo metabolismo é mais lento, esse acúmulo aumenta o risco de confusão mental, quedas e dependência”, afirma. Mas a força do clonazepam não se deve apenas à sua ação farmacológica. De baixo custo — menos de R$ 6 por caixa — e de fácil acesso, inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS), o medicamento ultrapassou o campo médico e entrou no cotidiano popular.

A divulgação intensa nos primeiros anos de venda ajudou a fixar o nome do produto no imaginário coletivo.

“A força do marketing fez com que todo mundo conhecesse o nome Rivotril, mesmo sem precisar do remédio”, explica Eckeli. Dependência física, emocional e social A psiquiatra Simone Kassouf, responsável técnica pela rede de psiquiatria Somente, calcula que entre 20% e 25% das pessoas que atende já chegam usando o medicamento, a maioria com mais de 45 anos.

“É muito comum recebermos idosos que tomam benzodiazepínicos há anos, sem qualquer revisão da prescrição. A medicação gera conforto sintomático, mas não resolve o problema de fundo”, afirma. O efeito rápido, que traz alívio imediato, é também o que alimenta o uso contínuo. Segundo Kassouf, remédios dessa classe deveriam ser indicados apenas em crises agudas de ansiedade ou insônia, mas acabaram sendo incorporados à rotina.

“Quando o uso se prolonga, o organismo se adapta: o mesmo comprimido já não faz efeito, e o paciente tende a aumentar a dose por conta própria. É assim que a dependência se instala.” Essa adaptação, explica a psiquiatra Camilla Pinna, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vai muito além do corpo. “Com o uso regular, o cérebro aprende a relaxar apenas na presença do remédio. Quando tenta parar, a ansiedade e a insônia voltam mais intensamente — é o chamado efeito rebote.”

Ela observa que, para muitos idosos, o calmante também preenche vazios emocionais. “O corpo se acostuma, mas o medo de ficar sem o medicamento reforça o vício. Muitos tomam o remédio não só para dormir, mas para lidar com a solidão, o luto, a dor crônica. É um uso que vai muito além do biológico.”

Esse vínculo emocional, segundo o psiquiatra Paulo Rogério Aguiar, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), torna o desmame ainda mais difícil.

“Há uma demanda enorme. Muitos pacientes pedem a receita e resistem à retirada. O efeito imediato agrada, mas o uso prolongado cobra um preço alto — perda de memória, risco de quedas, prejuízo cognitivo. Nosso papel é explicar e substituir por alternativas mais seguras.” Uma geração que envelheceu com o calmante Para Tales Cordeiro, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP e da Clínica Sartor, a alta taxa de uso é fruto de uma longa história.

“Muitos começaram a tomar na década de 1990, quando essas drogas eram amplamente prescritas e vistas como solução rápida. Hoje, aos 70 ou 80 anos, seguem tomando. O remédio virou parte da identidade deles.” Coordenador do Departamento de Medicina do Sono da Associação Brasileira de Psiquiatria, Almir Tavares acrescenta que o envelhecimento brasileiro ocorre em meio a doenças crônicas e desinformação.

“O Brasil envelhece rápido, mas é um envelhecimento cheio de limitações. O clonazepam é um bom ansiolítico, uma ferramenta importante, mas o problema está no uso sem acompanhamento. Ele induz o sono, mas não o sono de qualidade: impede o acesso às fases profundas, como o sono REM, e o corpo não se recupera de verdade”, explica.

Desmame é lento e exige acompanhamento Entre os especialistas, há consenso: parar exige tempo, cuidado e supervisão.

“Se houver uso crônico, nunca deve ser suspenso de forma abrupta”, reforça Pinna. “O desmame precisa ser lento, com acompanhamento médico e foco em tratar a causa — não apenas o sintoma.”

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é considerada o tratamento de primeira linha para insônia e ansiedade, mas ainda é pouco acessível no sistema público.

Curiati acrescenta que pequenas mudanças podem ter impacto real: “Atividade física, exposição à luz natural, horários regulares para dormir, evitar telas e café à noite — são estratégias simples que funcionam.”

O retrato de um envelhecimento ansioso A história dos calmantes é também a história de uma busca que se repete: a de um sono tranquilo sem consequências.

Nas décadas de 1950 e 1960, os barbitúricos dominavam o mercado — potentes, mas perigosos. Bastava uma superdosagem para causar intoxicação grave. Na tentativa de reduzir riscos, surgiram então os benzodiazepínicos, como o diazepam e, mais tarde, o clonazepam, considerados uma revolução por oferecerem o mesmo efeito calmante com menor chance de overdose. O tempo mostrou, porém, que a troca não era tão simples.

“Esses medicamentos trouxeram segurança clínica, mas abriram espaço para outro tipo de dependência — a do uso crônico”, resume Alan Eckeli, da USP de Ribeirão Preto.

Nos anos 2000, vieram as chamadas “drogas Z”, como o zolpidem, divulgadas como alternativas modernas e de ação mais específica para o sono. Por algum tempo, acreditou-se que elas trariam menos riscos. Hoje, os estudos mostram que o potencial de abuso e de efeitos colaterais é semelhante. Agora, novas gerações de compostos — como a ramelteona e os antagonistas da orexina — prometem induzir o sono de forma mais fisiológica, sem vício. Mas, como lembra Eckeli, ainda são pouco acessíveis e muito caros, o que mantém a população dependente dos medicamentos antigos.

O uso prolongado, dizem os especialistas, é reflexo de um envelhecimento ansioso e solitário.

“Muitos idosos acabam recorrendo ao calmante não apenas por insônia ou ansiedade, mas por solidão, luto ou falta de apoio familiar”, afirma Camilla Pinna, psiquiatra da UFRJ. “Esses fatores emocionais pesam muito e precisam ser acolhidos — conversas, vínculos e atividades podem fazer tanta diferença quanto o remédio.” O geriatra Pedro Curiati, do Hospital Sírio-Libanês, acrescenta que esse quadro de tristeza e retraimento muitas vezes é confundido com ansiedade, o que leva à prescrição inadequada de calmantes. Ele explica que a depressão é comum nessa fase da vida e tem múltiplas causas — desde a perda de vínculos até as limitações trazidas por doenças crônicas.

“O tratamento adequado, além do diagnóstico médico, deve ser feito com antidepressivos — que não causam dependência — e, sempre que possível, com terapia cognitivo-comportamental e psicoterapia.”

G1

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso da tirzepatida (nome comercial Mounjaro) também para o tratamento da apneia obstrutiva do sono (AOS) em adultos obesos. O medicamento já era indicado para diabetes tipo 2 e obesidade.

muojiaro

​A apneia obstrutiva do sono é caracterizada por paradas respiratórias repetidas durante o sono, que levam à queda da oxigenação e a despertares frequentes. É um fator de risco cardiovascular importante, associado a hipertensão resistente, fibrilação atrial, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio e Acidente Vascular Cerebral (AVC).

​Dormir bem é um pilar essencial da saúde cardiovascular, e o diagnóstico precoce, feito por meio da polissonografia, pode transformar a vida de quem convive com essa condição.

Vanity Brasil/R7

Foto: Vanity Brasil - Saúde

Um estudo conduzido no Hospital das Clínicas da USP mostrou que o uso de tecnologia robótica em cirurgias de câncer de próstata pode reduzir em até 25% o risco de disfunção erétil e em 15% o de incontinência urinária, quando comparado ao método tradicional.

Segundo o cirurgião urologista Rafael Coelho, que participou da pesquisa, a precisão dos robôs permite preservar as estruturas nervosas e musculares ao redor da próstata, garantindo recuperação mais rápida e menos sequelas. “Com a tecnologia robótica, eu consigo preservar toda a inervação e as estruturas que ficam ao redor da próstata”, explica o médico.

“Estamos encurtando distâncias e ampliando o acesso. Esse é o grande benefício da telecirurgia.”

A técnica foi aplicada em um caso inédito no Brasil, realizado de forma totalmente remota. O cirurgião em São Paulo operou um paciente em Porto Alegre. Eles protagonizaram a primeira telecirurgia robótica não experimental feita inteiramente no país.

Aos 73 anos, o gaúcho Paulo Feijó aceitou o desafio de ser operado à distância, após descobrir um câncer em exame de rotina.

O doutor Rafael operou a partir do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, enquanto em Porto Alegre o robô reproduzia com exatidão cada movimento feito no console, filtrando até o menor tremor das mãos. O principal desafio era evitar a latência, o atraso entre o comando e a execução

"A gente tá com um delay de menos de 30 milissegundos, quase imperceptível para mim." A operação foi um sucesso. Enquanto o robô obedecia aos comandos de São Paulo, os sinais vitais eram monitorados presencialmente em Porto Alegre.

“Foi uma coisa fora do normal pra mim, pra te dizer a verdade. A cirurgia levando uma hora parece que eu fui num posto de saúde, fiz um curativo e vim embora, de tão rápido que foi”, disse Feijó, aliviado após o procedimento.

G1/Fantástico