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Uma das maiores dificuldades que pesquisadores da área de genética psiquiátrica enfrentam na busca de marcadores para predizer o risco de transtornos psiquiátricos tem sido utilizar amostras de sangue para estudar doenças que, na verdade, estão no cérebro. A alternativa encontrada por um grupo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) para superar essa limitação foi estudar os exossomos – pequenas vesículas carregadas de material genético que potencialmente contêm moléculas provenientes do sistema nervoso central.
A análise dessas vesículas – capazes de ultrapassar a barreira hematoencefálica (estrutura que protege o cérebro de patógenos e toxinas) e carregar pelo corpo pequenas moléculas de RNA (microRNAs) – mostrou ser possível encontrar padrões associados com depressão, ansiedade e TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), abrindo caminho para, no futuro, aprimorar o acompanhamento de pacientes e oferecer tratamento precoce. Os resultados do estudo foram publicados na revista Translational Psychiatry. “Apesar de ainda serem necessárias mais validações desses microRNAs, nosso trabalho indica que o material genético de moléculas carregadas pelo corpo pode ser identificado de forma pouco invasiva”, afirma Jessica Honorato Mauer, primeira autora do estudo. “Não conseguimos ter certeza de que os exossomos analisados vêm do cérebro, mas sabemos que conseguem regular a expressão dos genes em vários tecidos e podem estar implicados em mecanismos que aumentam o risco para transtornos psiquiátricos.”
Os pesquisadores envolvidos no estudo, financiado pela FAPESP, retiraram as vesículas extracelulares do soro sanguíneo de um grupo de 116 jovens participantes da Coorte Brasileira de Alto Risco para Condições Mentais (em inglês, Brazilian High Risk Cohort Study - BHRCS) em dois momentos (separados por três anos, ou seja, na adolescência e no início da idade adulta). Dessas vesículas extraíram os microRNAs, que foram sequenciados tanto para analisar a variação ao longo dos anos, quanto para identificar associações com transtornos específicos. No primeiro caso (análise da variação no tempo), os participantes foram divididos em quatro grupos, considerando a trajetória de seus transtornos: o “controle” incluiu pacientes sem diagnóstico nos dois pontos de tempo analisados; no grupo “incidente” ficaram aqueles que só apresentaram algum transtorno no segundo momento analisado; já o “remitente” reuniu participantes com diagnóstico positivo apenas na primeira análise; e, por fim, no “persistente” estavam aqueles diagnosticados nos dois momentos analisados. As diferenças entre os microRNAs nesses grupos foram comparadas, mas os pesquisadores não encontraram dados estatisticamente significantes – ainda assim, os resultados dos testes estatísticos podem ser utilizados futuramente em meta-análises e outros estudos relacionados ao tema.
A segunda abordagem buscou identificar microRNAs associados a transtornos específicos no mesmo ponto de tempo. Em cada momento, foram comparados indivíduos com diagnóstico de depressão, transtorno de ansiedade e TDAH versus aqueles que não apresentavam as doenças. No início da adolescência, os pesquisadores encontraram o microRNA miR-328 diferencialmente expresso nos grupos de pacientes com e sem TDAH – aumentado no primeiro caso.
Já na fase adulta, foram identificados microRNAs associados à depressão e aos transtornos de ansiedade. Três deles (432-5p, miR-151a-5p e miR-584-5p) se mostraram menos expressos, ou seja, diminuídos, nas pessoas com ansiedade e cinco (miR-4433b-5p, miR-584-5p, miR-625-3p, miR-432-5p e miR-409-3p), nas que tinham depressão.
“Já sabemos que não existem biomarcadores para doenças psiquiátricas como há para o câncer e algumas outras doenças. Acredito que, no futuro, será possível fazer uma predição integrando dados de DNA, microRNAs de exossomo e interação com o ambiente. Nesse caso, por exemplo, avaliar o risco genético de uma pessoa, ou seja, aquele [risco] que nasceu com ela, e também avaliar esse indivíduo ao longo do tempo, medindo alterações de microRNAs ou exposições ambientais”, diz Marcos Leite Santoro, professor do Departamento de Bioquímica da Unifesp e coordenador do estudo. “Isso deve permitir que, no futuro, se inicie algum tipo de tratamento ou abordagem a fim de evitar que a doença se estabeleça em pessoas que começarem a apresentar alterações na expressão de determinado microRNA.”
Próximos passos
Para expandir a análise e confirmar os resultados obtidos em outras fases da vida dos pacientes, a ideia dos pesquisadores é aumentar o tamanho amostral, tanto com os dados já disponíveis (há informações sobre mais de 700 jovens desde 2010) como com uma nova etapa de coleta, que inclui os mesmos indivíduos adultos e seus filhos.
Além da expressão de microRNAs, devem ser analisadas ainda outras informações para entender as doenças psiquiátricas de forma mais integrada, incluindo dados genômicos, transcriptômicos (RNAs expressos) e de metilação de DNA (relacionados com a modulação da expressão gênica) ao longo do tempo, além de fatores ambientais, como condição socioeconômica, exposição a abuso de drogas e a maus-tratos na infância e adolescência, bullying na escola e a pandemia de Covid-19.
Agência Fapesp
Foto: Freepik