Pesquisa realizada com células de camundongos aponta um caminho promissor para novas linhas de estudo com foco no tratamento do câncer de mama triplo-negativo (TNBC, na sigla em inglês), um tumor agressivo e com alta probabilidade de metástase.

cancermama

Um grupo de pesquisadores liderados pelo casal de brasileiros Renata Pasqualini (bioquímica) e Wadih Arap (cientista e oncologista) identificou um pequeno conjunto de aminoácidos (um peptídeo com a sequência CSSTRESAC) capaz de se ligar a um receptor alternativo para a vitamina D. Chamado de PDIA3, esse receptor é encontrado na membrana de macrófagos (importantes células de defesa do organismo) que se infiltram nos tumores de mama triplo-negativo e causam imunossupressão. De acordo com a pesquisa, a administração sistêmica de CSSTRESAC levou à elevada expressão de citocinas antitumorais e à modulação da resposta celular. Em conjunto, esses dois fatores ativaram a resposta imune e reduziram o crescimento dos tumores nos camundongos. O resultado do trabalho foi publicado na revista científica eLife.

“Nossa estratégia é diferente e certamente complementa as abordagens mais convencionais. Em vez de tratarmos diretamente as células tumorais, usamos CSSTRESAC para modular e induzir uma resposta imune mais eficiente. Essa estratégia, se combinada à cirurgia, quimioterapia e radioterapia, pode oferecer uma alternativa mais robusta para o tratamento de tumores de mama triplo-negativo, que normalmente são muito agressivos e de difícil controle clínico local e sistêmico”, afirma Pasqualini, em entrevista à Agência FAPESP.

A pesquisadora lembra que as conclusões ainda são baseadas em modelos experimentais em camundongos, mas afirma que os dados são animadores. “Ainda há um caminho a percorrer até chegar aos ensaios clínicos de fase 1 em pacientes humanos. No entanto, os resultados publicados são promissores, justificando o avanço dessa linha de pesquisa visando ao desenvolvimento de estudos de tradução clínica na próxima fase.” Pasqualini, juntamente com Arap, coordena atualmente um laboratório na Universidade Rutgers, em Nova Jersey (Estados Unidos). Neste trabalho, um terço dos coautores é brasileiro, incluindo a primeira autora, Fernanda Iamassaki Staquicini, que foi bolsista da FAPESP no início dos anos 2000.

Esse trabalho também teve apoio da FAPESP por meio de dois projetos (12/24105-3 e 20/13562-0) coordenados pelo professor Mauro Javier Cortez Véliz, do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).

Panorama

O câncer de mama é o segundo tipo de tumor mais comum no mundo, com estimativa de aproximadamente 2,3 milhões de novos casos por ano. Representa quase 25% dos cânceres em mulheres e também é a causa mais frequente de morte pela doença nessa população, com 684 mil óbitos estimados ao ano. O tipo triplo-negativo (TNBC) compreende entre 10% e 20% dos registros de câncer de mama.

No Brasil, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), excluídos os tumores de pele não melanoma, o de mama também é o mais incidente em mulheres em todas as regiões, com taxas maiores no Sul e Sudeste. Para este ano, são estimados 66.280 novos casos no país (43,7 casos por 100 mil mulheres). É também a primeira causa de morte por câncer na população feminina brasileira.

O TNBC é considerado um tumor agressivo, geralmente com tamanho maior no início, e de rápido crescimento, com chances de metástase. Apresenta também probabilidade maior de recidiva após o tratamento.

É diagnosticado por meio de exames que analisam as células cancerosas – se elas não tiverem receptores de estrogênio ou progesterona e não produzirem a proteína HER2, o câncer de mama é considerado triplo-negativo.

A disseminação metastática geralmente ocorre por meio da eliminação de linfócitos (células de defesa) infiltrantes de tumor e da secreção de citocinas imunoinibitórias, principalmente os macrófagos associados ao câncer. Por causa desse maior número de linfócitos infiltrantes, o TNBC é mais propenso a responder à imunoterapia, o que levou os pesquisadores a investigar as funções imunorreguladoras mediadas pelo peptídeo CSSTRESAC.

Nova técnica

Na pesquisa, o grupo aplicou a tecnologia de exibição de fago in vivo para isolar peptídeos encontrados no tumor como uma estratégia para descobrir alvos não malignos. Essa técnica captura proteínas ou frações delas que interagem com moléculas-alvo.

Identificaram, assim, o peptídeo cíclico (CSSTRESAC) que se liga especificamente ao receptor de vitamina D, a proteína dissulfeto-isomerase A3 (PDIA3), expressa na superfície dos macrófagos associados ao tumor.

“A administração sistêmica de CSSTRESAC em camundongos com TNBC mudou o perfil de citocinas em direção a uma resposta imune antitumoral e retardou o crescimento do tumor. Além disso, o CSSTRESAC permitiu a entrega teranóstica direcionada ao ligante para tumores. Um modelo matemático confirmou nossos achados experimentais”, concluem os cientistas no artigo.

Teranóstico é um novo conceito que vem sendo usado na medicina nuclear para tratamento de câncer e transforma, simultaneamente, em ferramenta para diagnóstico e para tratamento os radiofármacos usados diretamente em tumores.

“Nosso próximo objetivo é avaliar a integração dessa estratégia com outras terapias já aprovadas e em uso para o tratamento do câncer de mama triplo-negativo. A radioterapia, por exemplo, é efetiva a curto prazo, mas ainda frustra porque ocorre com frequência a recidiva dos tumores localmente ou em metástases em outros órgãos. Nesse sentido, a combinação da radioterapia com o nosso peptídeo tem chance de melhorar o prognóstico das pacientes com o controle local do tumor”, explica Staquicini.

A parceria do grupo começou há alguns anos e inclui um trabalho desenvolvido no ICB-USP que apontou como a Leishmania explora vias de sinalização de receptores do tipo Toll endossomais via TLR9 (responsável pelo reconhecimento do DNA não metilado de patógenos, como bactérias, vírus e parasitas) para inibir a função microbicida de macrófagos, favorecendo sua proliferação intracelular no hospedeiro. Esse artigo foi publicado em 2019 no The Journal of Clinical Investigation insight.

Atualmente, o laboratório dirigido por Pasqualini e Arap é reconhecido internacionalmente por contribuições nas áreas de biologia vascular, mecanismos de progressão em vários tipos de câncer e de desenvolvimento de abordagens terapêuticas inovadoras. Nesse aspecto, chama a atenção o potencial demonstrado da relevância clínica de moléculas com efeito terapêutico dirigidas às células-alvo, aumentando a atividade biológica e reduzindo efeitos colaterais.

A capacidade de mapear marcadores moleculares, dentro do conceito de “códigos postais” em vasos sanguíneos do corpo humano, foi aprimorada ao longo de duas décadas pelo grupo e por cientistas de outros centros de estudo. Esses “códigos” consistem em uma tecnologia de mapeamento das moléculas que proporciona o direcionamento dos medicamentos exclusivamente nas células-alvo do organismo.

É uma analogia com o CEP, ou seja, a ciência encontra o “endereço exato” de células doentes, principalmente tumores, e envia uma “encomenda” capaz de eliminar especificamente a doença, sem afetar a vizinhança.

Agência Fapesp

Foto: Divulgação Sociedade Brasileira de Mastologia

 

A farmacêutica britânica GSK informou, nesta terça-feira (7), que sua terapia contra a covid-19 baseada em anticorpos, desenvolvida em parceria com a norte-americana Vir Biotechnology, é eficaz contra todas as mutações da nova variante Ômicron do coronavírus. A empresa citou novos dados de estudo em estágio inicial.

Os dados, que ainda serão publicados em um periódico médico sujeito ao crivo da comunidade científica, mostram que o tratamento da empresa, batizado de sotrovimab, funciona contra todas as 37 mutações identificadas até o momento na proteína spike da variante Ômicron, disse a GSK em comunicado.

Na semana passada, outros dados pré-clínicos mostraram que o remédio funcionou contra mutações cruciais da Ômicron. O sotrovimab foi concebido para se ater à proteína spike na superfície do coronavírus, mas foi descoberto que a Ômicron tem um número anormalmente alto de mutações nessa proteína.

"Esses dados pré-clínicos demonstram o potencial de nossos anticorpos monoclonais serem eficazes contra a variante mais recente, Ômicron, além de todas as outras variantes preocupantes definidas até o momento pela Organização Mundial da Saúde", disse o chefe científico da GSK, Hal Barron.

A GSK e a Vir estão criando em laboratório os chamamos pseudovírus, que contêm importantes mutações do coronavírus de todas as possíveis variantes que já surgiram, e então realizam testes sobre sua vulnerabilidade ao tratamento sotrovimab.

Reuters

Depois de ser acometida duas vezes pela Covid-19, Gláucia Pereira, de 51 anos, depende hoje de um concentrador de oxigênio, aparelho para suplementação de oxigênio. Moradora de Uberlândia (MG), ela teve a doença em agosto do ano passado e uma reinfecção em julho deste ano. Após a reinfecção, que a levou a ser internada, passou a depender de concentradores e cilindros de oxigênio para complementar o fôlego. “Hoje eu estou presa. Minha vida deixou de existir. Parou. Tudo o que eu fazia antes, eu não faço mais. Sou dependente desse oxigênio”, afirma.

poscovid

Gláucia está entre os brasileiros acometidos pelos sintomas persistentes da Covid-19 — que não são chamados de sequelas pela comunidade científica por não se saber se serão ou não permanentes. Após 21 meses de pandemia, o governo brasileiro ainda não sabe quantas pessoas convivem com a chamada "Covid longa", ou as condições pós-Covid. Somente no último dia 19, o Ministério da Saúde divulgou uma nota técnica (retificada no dia 24) com a orientação do código dos casos de pessoas com sintomas pós-Covid. A partir de agora, com o uso da nova codificação por parte das unidades de Saúde, o governo pretende mapear os casos. Mesmo após a melhora da fase aguda da Covid-19, indivíduos que já foram infectados podem apresentar sintomas persistentes. Em alguns casos, os sintomas continuam desde o início da infecção, e não somem mais. Em outros, o sintoma some e retorna após 120 dias da infecção. Há, ainda, casos de sintomas diferentes daqueles observados no quadro agudo da doença, que também surgem a partir de quatro meses depois de o paciente ser curado da Covid-19.

Gláucia faz acompanhamento com dois pneumologistas e tratamento de fisioterapia pulmonar. Atualmente, ela está tomando remédios para tentar recuperar a autonomia pulmonar e deixar os complementos de oxigênio de lado.

Médica e pesquisadora do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e membro do Observatório Covid-19 BR, Verônica Coelho destaca que os sintomas persistentes não precisam ser os mesmos identificados pelo paciente na fase aguda da doença. De acordo com ela, a Covid longa será “um problema gravíssimo no Brasil e no mundo todo”. “Vai levar a uma sobrecarga nos serviços de Saúde, SUS e privados, com uma legião de indivíduos precisando de ajuda e um processo patológico que a gente conhece pouco”, afirma. A pesquisadora explica que a ciência ainda está estudando os motivos e o que desencadeia a Covid longa. Os sintomas são os mais diversos: fadiga, perda de força muscular, perda de memória, insônia, problemas respiratórios, depressão, ansiedade, dificuldade cognitiva e queda de cabelo, por exemplo.

Moradora de Xanxerê (SC), Rosângela Ramos, de 37 anos, conta que, quando teve Covid-19, em novembro do ano passado, sentia dores como se "um caminhão tivesse passado por cima" de seu corpo. Ela tinha também febre, dor de garganta e dor no peito. Rosângela recuperou-se, mas, seis meses depois, passou a sentir um formigamento intenso nas mãos, pés e cabeça.

“Incomoda demais”, contou ao R7 enquanto aguardava atendimento em um hospital de sua cidade. Ela foi ao local para buscar algum remédio para ajudá-la a lidar com uma crise intensa de formigamento. Os médicos, segundo Rosângela, não sabem explicar. “Eles falam que é sequela, não dão muita bola. Alguns dizem que é permanente, outros que vai passar”, relatou. O incômodo é tamanho que Rosângela, que trabalhava como atendente em uma padaria, deixou o emprego. Coordenador do Projeto Pós-Covid da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o médico Arnaldo Santos Leite diz que as maiores queixas identificadas em sintomas pós-Covid são fraqueza muscular, cansaço, dor de cabeça, fadiga, falta de ar, perda de capacidade de concentração, perda de memória, ansiedade e depressão. “Não existe ainda um conhecimento exato de como ocorre esse tipo de lesão. Existem suspeitas de que estaria relacionado a um processo inflamatório. Mas são conjecturas”, explica.

O professor ressalta que o mundo ainda está em processo de aprendizado em relação à doença, mas que o paciente se recupera da maioria dos sintomas dentro de algumas semanas. Ao cuidar de uma pessoa com suspeita de Covid longa, segundo ele, a primeira ação é definir se os sintomas não são decorrentes de outras doenças. “Para afirmarmos que se trata de uma condição pós-Covid, a pessoa tem que ter tido Covid e descartar que [a condição] esteja relacionada a outras doenças”, diz.

Moradora de Duque de Caxias (RJ), Patrícia de Freitas, de 41 anos, teve um quadro grave de Covid-19. Ficou internada 97 dias — dos quais, mais de 60 em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Após melhorar, ficou em uma ala do hospital cujo foco era a recuperação motora, com fisioterapia diária e acompanhamento da traqueostomia feita quando foi intubada. Ainda assim, Patrícia saiu do hospital com dificuldade motora, queda de cabelo e perda de força muscular. "Não conseguia pegar uma faca", conta. Em casa, ela continuou fazendo os exercícios indicados pelos profissionais que a acompanharam. Apesar de uma ótima recuperação, como pontua, a auxiliar administrativa relata que ainda sente cansaço, em especial quando faz esforços físicos, como caminhar ou subir escadas. Demanda reprimida

A demanda é grande no país, apesar da ausência de política pública nacional. A Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação criou um programa para os casos pós-Covid-19 ainda em junho do ano passado. A diretora Lúcia Willadino Braga afirma que, atualmente, 30% das admissões da rede já são de pacientes com os sintomas persistentes.

Braga frisa que o atendimento é diferenciado, com avaliação completa, e que os pacientes se recuperam muito bem. "É importante que as pessoas busquem tratamento. A recuperação espontânea é lenta", diz. Para ela, é essencial investir nos centros de reabilitação para cuidar das pessoas com sintomas persistentes da Covid-19. Cansaço "fora do normal"

Em Valparaíso (SP), Daniele Cristina Bomfim Morbeck de Andrade Silva, de 31 anos, conta que se infectou com o coronavírus em outubro do ano passado, e os primeiros sintomas foram perda de olfato e paladar. Passados alguns meses, depois que já havia se curado da doença, Daniele diz que começou a sentir um cansaço "fora do normal", que perdura até hoje. Além disso, ela relata que, em determinados momentos, sente cheiro de podridão.

"Já fiz tomografia, não deu nada. Quase todo dia eu sinto dor de cabeça. Tem dia que dói tanto que eu deito e vou acordar só no dia seguinte. Não consigo fazer o serviço doméstico como eu fazia, coisas que eram rotineiras para mim tiveram que mudar. Não consigo nem ficar muito tempo em pé", afirma.

Daniele faz acompanhamento em um centro de fisioterapia e sente que melhorou, mas o cansaço permanece. "Depois da Covid que a minha vida mudou. Eu sinto muita fraqueza. Mas já melhorou. Algumas coisas eu consigo fazer", explica. Sem política

O Ministério da Saúde não sabe quantos casos de "Covid longa" existem no país, tampouco há uma política específica para acompanhar tais casos. A secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, explica que, após observar que parcela dos indivíduos que se recuperam da Covid-19 apresentam sintomas persistentes, a pasta agregou todas as secretarias e passou a trabalhar no sentido de construir uma política pública.

Neste momento, entretanto, não houve entendimento sobre a necessidade de uma política específica para acompanhar pacientes com condições pós-Covid. Segundo a diretora, o tratamento para essas pessoas é o mesmo de outras complicações já tratadas no SUS (Sistema Único de Saúde). De acordo com ela, a intenção é usar programas já existentes, estimulando os CERs (Centros Especializados em Reabilitação). “Não tem que diferenciar. Esse paciente está com complicação, mas não transmite a doença. Ele pode ser atendido com os outros”, afirma.

R7