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Artigo publicado no Journal of Biological Chemistry descreve uma molécula capaz de inibir in vitro a proliferação do parasita causador da doença de Chagas.

O estudo foi conduzido por pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do CQMED-Unicamp (Centro de Química Medicinal da Universidade Estadual de Campinas), um INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) apoiado pela FAPESP. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, a dificuldade de diagnóstico e de tratamento tornou a doença de Chagas uma das quatro maiores causas de mortes por doenças infecciosas e parasitárias no país, com média de 4 mil casos por ano nos últimos dez anos.

A enfermidade é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida por insetos (triatomíneos) popularmente conhecidos como barbeiros ou bicudos. Se não for tratada, pode causar danos irreversíveis e letais ao coração e a outros órgãos vitais. Até o momento, existem apenas dois medicamentos disponíveis: o nifurtimox e o benzonidazol. De acordo com a DNDi (Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas), cerca de 20% dos pacientes interrompem o tratamento por causa dos efeitos colaterais, que incluem intolerância gástrica, erupções cutâneas e problemas neuromusculares.

“As opções de tratamento ainda são muito tóxicas, ou seja, para atacar o parasita o medicamento acaba afetando outros processos do nosso corpo, gerando os indesejáveis efeitos colaterais”, explica Katlin Massirer, coordenadora do CQMED e autora do estudo. Uma das alternativas é encontrar medicamentos que atinjam apenas o foco da doença.

“A identificação de proteínas-alvo no parasita que sejam relevantes para o desenvolvimento de medicamentos ainda é um desafio de maneira geral. Quando se consideram os protozoários parasitas, isso é particularmente difícil, uma vez que estes têm vias enzimáticas e metabólicas distintas”, explica Massirer.

A primeira etapa nessa busca é validar proteínas que possam ser um bom alvo para o desenvolvimento de moléculas que sejam a base para gerar novos fármacos. No caso da doença de Chagas, o ideal é que seja um alvo capaz de interromper especificamente algum processo importante para a proliferação do parasita, sem afetar outros processos do organismo humano.

Os grupos da Unifesp e Unicamp vêm estudando a enzima chamada TcK2. “Trata-se de um novo alvo potencial, dado o seu papel central na fase intracelular do ciclo de vida do Trypanosoma, ou seja, se inibirmos suas funções, o parasita não se multiplica na mesma velocidade”, explica Sergio Schenkman, professor da Unifesp e autor do estudo. O ciclo de vida do T. cruzi alterna basicamente entre uma fase de vida livre com uma fase intracelular obrigatória, de infecção no hospedeiro, quando a multiplicação é mais acelerada.

Para esse alvo, os pesquisadores testaram 379 moléculas inibidoras e apenas duas tiveram potencial de inibir a TcK2. Entre elas, a molécula chamada dasatinib teve um desempenho melhor na inibição da enzima, provocando a desaceleração da proliferação do parasita em células de cultura, no laboratório. “Para assegurar que a molécula estava agindo na TcK2, nós testamos a dasatinib em Trypanosoma geneticamente modificados, sem TcK2, e a molécula inibidora não teve efeito”, explica Schenkman. “Dasatinib bloqueia a proliferação do parasita apenas em células que expressam TcK2, validando que esta enzima é o alvo do composto”, complementa Massirer.

O dasatinib já é um medicamento utilizado no tratamento de leucemias mieloides agudas e crônicas. “A terapia é eficaz devido à elevada sensibilidade ao dasatinib de uma proteína que está alterada na leucemia mieloide. No entanto, nos regimes de dosagem atuais, o dasatinib não atinge uma concentração suficiente para inibir a proliferação do T. cruzi. Logo, são necessários melhoramentos”, explica Schenkman. Ademais, a droga tem um custo elevado, chegando a R$ 15 mil por mês, um valor inacessível a grande parte da população, sobretudo àquela exposta ao risco da doença.

Uma vez validado esse alvo no parasita e utilizando o dasatinib como ponto de partida, poderá ser encontrada uma molécula inibidora. Para isso, os cientistas pretendem avançar no entendimento de como se dá a ligação entre o inibidor e a enzima para então estudar formas de tornar a molécula mais potente e específica. O passo seguinte será testá-la em animais de laboratório.

Uma possibilidade, segundo Schenkman, é que esses novos compostos sejam úteis para desenvolver uma droga atuando em combinação com outras já existentes. “O uso combinado das novas drogas poderia acelerar o tratamento, reduzir as doses, os efeitos colaterais e as taxas de abandono do tratamento, pois a TcK2 atua no parasita”, acrescenta o pesquisador.

O estudo também recebeu financiamento da FAPESP por meio de um Projeto Temático. E contou com a colaboração de pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Araraquara, Drug Discovery and Evaluation Unit, Universidade de Dundee (Reino Unido), Charles University (República Tcheca) e UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Agência Fapesp