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Após um ano da morte da universitária Fernanda Lages Veras, os pais da jovem parecem ainda aguardar o retorno da filha, encontrada morta no canteiro de obra do Ministério Público Federal, na zona Leste de Teresina. Na residência da estudante de 19 anos, na cidade de Barras, o quarto da jovem é mantido como da última vez em que ela esteve lá. As paredes estão repletas de retratos da garota sorridente, que, segundo a família, era uma “criançona festeira e corajosa, que sabia aproveitar o que a vida tem de bom”.

 

Paulo Lages, pai de Fernanda, não foi ao local do suposto assassinato e evita olhar imagens da morte da filha. “Eu nunca fui lá, não vi as fotos da minha filha, da situação que ela estava. De jeito nenhum. Eu acho que eu não suportaria. Quando vocês entrarem na minha casa, vocês vão ver outras fotos”, explica Paulo.

 

Os retratos da menina espalhados pela residência lembram os momentos em família, com os amigos, em festas, nos carnavais, em viagens, com o ex-namorado ou mesmo posando para a câmera no espelho. Em comum, as imagens trazem um sorriso espontâneo de quem tinha a prática de enfrentar a vida dessa maneira. “Após a morte dela, encontramos pouquíssimas fotos da Fernanda séria. Todas eram assim, sorrindo”, esclarece o pai, apontando para as dezenas de imagens da garota, um verdadeiro memorial em sua homenagem.

 

Joselia Lages, mãe da jovem, também esteve presente na entrevista, juntamente com algumas tias e a avó de Fernanda. Bem mais reservada do que Paulo, Joselia, entretanto, só permanecia calada no terraço da casa, local em que a família recepcionou a equipe de reportagem, nos momentos em que se falava sobre a vida da filha. Quando as perguntas envolviam a situação em que Fernanda morreu, Joselia discretamente se retirava e se recolhia no interior da casa.

 

“Ela sofre calada e provavelmente sofre bem mais que o pai”, opina Vitória Vieira, tia de Fernanda. Segundo ela, quando o corpo da estudante foi enterrado pela segunda vez, no dia 08 de junho deste ano, após quase quatro meses da exumação, questionou Joselia sobre seus sentimentos. “Eu perguntei a ela o que ela estava sentindo. Ela me respondeu que a dor era tão grande que não sabia como descrever”, conta Vitória na ausência de Joselia, acrescentando que dificilmente a mãe é vista chorando.

 

Perguntar sobre o jeito de ser da Fernanda gera várias declarações sobre a sobrinha, neta, prima ou amiga. Todos conhecem um pouco a filha do Seu Paulo e da Dona Joselia. “A Fernanda só tinha tamanho. Se falassem assim pra ela: ‘Fernanda, me dá uma carona?’, ela dava. Ela não via a maldade nas pessoas”, descreve Cassandra Lages, também tia da jovem. Bem diferente dos pais, a menina era “festeira”, como os próprios familiares garantem, mas responsável. Cedo conseguiu um emprego e fez questão de assumir contas.

 

A família nunca aceitou a hipótese de suicídio, considerada no ano passado pela Comissão Investigadora do Crime Organizado no Piauí (Cico). Fernanda, que trabalhava no shopping Riverside, almoçava diariamente na casa de uma tia, em um prédio de aproximadamente 20 andares, que fica na mesma avenida do estabelecimento. “A morte dela tem tudo a ver com o local onde ela foi encontrada. Como é que uma pessoa que nunca esteve naquele lugar e naquele dia ela foi, sabendo que lá tinha, por exemplo, um vigia e um portão com um cadeado? A solução do crime está ligada aquela obra”, julga o pai.

 

Apesar da morte violenta da filha, Paulo acredita que cada pessoa tem responsabilidade sobre o próprio destino. “Cada um de nós faz o próprio destino, somos culpados pelo que nos aguarda. Você morreu disso? Você tem também a sua parcela de culpa porque você se arriscou, porque você sabia que era perigoso”, afirma Paulo.

 

Investigações

A família se revolta pela falta de cuidado que foi dedicado ao local onde a menina foi encontrada morta. A porta que dá acesso as escadas do prédio do Ministério Público Federal só foi fechada dias depois, quando, segundo a família, o local já estava comprometido. “Aquela obra deveria ter sido embargada no mesmo dia, e não foi”, declara Cassandra.

 

Algumas teorias são consideradas absurdas pela família. De acordo com relatos da tia, um dos peritos que participou da reconstituição contou que uma das sandálias da Fernanda estava próximo à parede porque havia caído quando ela passou a perna por sobre o muro. Com raiva, ela haveria arremessado a outra sandália. “Ele fez foi dizer que ela se zangou e jogou a sandália”, conta Cassandra, revoltada.

 

Amizades

O problema, na opinião de Cassandra Lages, foram os vínculos de amizade que Fernanda criou nos últimos meses de vida. “É aquela história, ‘diz com quem andas que eu te direis quem és’. O problema é que a Fernanda andava com essas meninas. Eu não sabia quem era Nayrinha, eu achava até então que era uma moça da faculdade. Quem disse que ela (Nayrinha) era garota de programa, a moça que agenciava, foi a própria polícia”, declarou Cassandra, enfatizando que a sobrinha desconhecia esse fato.

 

Para ela, Fernanda se tornou outra pessoa quando conheceu a Nayra. “A polícia disse pra gente que a vida dela (Fernanda) começou a mudar no momentos que ela conheceu essas meninas. Só que pra gente, ela era todo tempo normal. Era como se fossem duas vidas. A vida que ela tinha com a família, e a vida que tinha com essas meninas e que a gente não sabia”.

 

Perdão

A família, que descarta totalmente a hipótese de suicídio, afirma que perdoar o responsável pela morte da jovem é algo impossível. “A pessoa que fez isso tem que pagar sim, não vou dizer que com a vida, mas tem que pagar muito caro. Essas pessoas têm que pagar sofrendo mesmo, para saberem o sofrimento que causaram em outras pessoas”, desabafa Paulo Lages.

 

“Sempre que eu olho para as fotos da Fernanda, dela morta, eu não acho que ninguém deva morrer daquele jeito. Eu olho pra ela, pra minha sobrinha, e penso nela, aí é que dói. Como é que eu vou perdoar, se ela nunca fez mal a ninguém? Porque ela tinha que morrer daquele jeito?”, questiona Cassandra. Apesar da vontade de fazer justiça com as próprias mãos, a tia afirma que jamais faria isso, mas faz questão de acompanhar a prisão dos suspeitos, quando e se estes forem apontados.

 

A última vez que Paulo Lages falou com a filha foi na noite anterior a sua morte. “Liguei para ela as 19:35h, ela estava no pátio da universidade”. Ele lamenta não ter tido a oportunidade de se despedir da menina, abraça-la, e confessa que mantém no celular as mensagens que a filha deixou.

 

Desde então, o que sustenta o pai é a fé em Deus, a família e a certeza de que a justiça será feita e que um dia reencontrará a filha. “Hoje meu alimento de fé é tão enorme, tão grande, que eu já tenho assim aquela certeza que a vontade que a justiça comprove hoje é do tamanho da certeza que eu tenho que vou encontrar a minha filha”, explica o pai, esclarecendo que não vai apressar esse reencontro, mas que sabe que a filha vai lhe explicar exatamente o que aconteceu no dia 25 de agosto de 2011.

 

Cartas e saudades

Durante esses 12 meses que seguiram à morte da estudante, Paulo Lages desenvolveu um método bem particular para tentar diminuir a saudade que sente da filha. Toda semana ele escreve cartas endereçadas à Fernanda. “É como se eu estivesse conversando com ela. Tudo que eu falo não me satisfaz, eu tenho que colocar no papel. E eu tenho a certeza que ela vai tá sempre lendo”. Nesse período, dezenas de registros já foram feitos e estão carinhosamente guardados no quarto da jovem, em Barras, juntamente com outros pertences da garota.

 

A família não gosta quando Paulo confessa que a vida perdeu o sentido. “O mundo pra mim só foi mundo até aquele dia. Eu vou aguardar o que Deus me reserva, mas não existe dor maior do que a que sinto”, afirma, lamentando também a impossibilidade de ver a família crescer. “Você pensa assim: quando o Paulo e a Joseane morrer, aquela família vai acabar. Não vai ficar nunca um neto, uma filha. Entende?” diz, emocionado, o pai.

 

Polícia Federal

No dia 15 de novembro do ano passado, a Polícia Federal recebeu a autorização para assumir as investigações da morte da estudante. Com a decisão do juiz Antônio Noleto, da 1˚ Vara do Tribunal do Juri de Teresina, a família da jovem renovou as esperanças de que o caso fosse solucionado.

 

“Na questão estadual tudo pode acontecer. Prestígio político, interferência de terceiros. Principalmente se for comprovado o envolvimento de pessoas influentes, pessoas que têm realmente outra condição social”, conta Paulo. Para ele, a reputação da Polícia Federal é menos questionável e espera que não possa haver interferências nessa esfera. “A possibilidade que nunca iremos aceitar, mesmo vindo da Polícia Federal, é a do suicídio. Isso não”, enfatiza.

 

Vitória Vieira, tia da estudante, acredita que, com a proximidade do resultado das investigações, os responsáveis pela morte de Fernanda Lages estejam temerosos. “Hoje eles não estão bem, certeza absoluta. Com a proximidade, a tensão aqui, a dor aqui, lá também tem. Aqui nós estamos preocupados com a justiça, e lá é pela condenação”, opina a tia, garantindo também que os suspeitos são desprovidos de qualquer tipo de sentimento.

 

1 ano

Neste sábado, 25, haverá uma missa em homenagem a Fernanda Lages, na cidade de Barras. Após doze meses da morte da filha, Paulo define que deixou de viver no ano passado. “Você não supera, você consegue ir passando. Eu tenho 50 anos e não sei até quando vou viver. Mas nada, nada mesmo, vai ser superior ao que eu senti. Nem em termo de dor, nem de alegria. Porque tudo que aconteceu comigo, em termo de sentimentos, foi com ela”, finaliza.

 

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