Dois dias depois da morte do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, a porta de sua casa, em Johanesburgo, se transformou num verdadeiro retrato do tipo de sociedade pelo qual o líder lutou toda a sua vida: uma reunião pacífica e harmônica de pessoas de todas as cores, etnias e idades. É assim que acontece o adeus ao símbolo máximo da luta contra o segregacionismo na África do Sul.
Dá pra saber de longe qual é a rua da casa onde o líder sul-africano passou seus últimos dias, no bairro de Houghton. Policiais interditaram quase todo o quarteirão e a movimentação é intensa desde sua morte, na noite de quinta-feira. Na manhã deste sábado (7), famílias traziam seus filhos, amigos se reuniam para deixar flores e atletas mudavam seu trajeto de corrida para prestar as últimas homenagens ao homem que lutou contra o fim da segregação racial no país.
A frente da casa de Mandela, bloqueada por uma grade de proteção, cheira a incenso e flores. Há fila para tirar foto na barreira enfeitada e comerciantes aos poucos se acomodam no entorno da casa para vender souvenirs com a cara de Madiba, como Mandela é chamado aqui.
"Ele nos fez entender que somos africanos. Nós não sabíamos. Há quem ainda não saiba o que é isso", disse ao G1 Flatha Khumalo, que nasceu no Zimbábue e hoje vive em Johanesburgo, onde trabalha como empregada doméstica na casa de uma família. "Estou na África do Sul por causa de Mandela, porque ele assim permitiu. No meu país não tinha emprego e consegui emigrar. Sempre acompanhei sua história, a África toda acompanhou."
A alguns passos da casa, uma roda se abre de vez em quando com pessoas cantando e dançando músicas regionais. O nome de Mandela é entoado com alegria, apesar do clima de despedida. "No começo a gente ficou triste, mas agora estamos celebrando o fato de que ele existiu", disse a policial Nonzwakazi Tsoanyane, que cantava discretamente perto do grupo. Ela conta que faz a ronda na porta da casa de Mandela desde 2009, e acompanhou toda a movimentação desde que o líder começou a ficar doente, em 2011. "Ele nunca passou sem dar um oi. Nunca".
"Ele nos fez olhar por cima da lente das cores", disse a enfermeira Thuso Mogasi, de 44 anos. "O que mudou na minha vida com Mandela basicamente é que hoje posso me expressar como eu sou", disse ela.
A família da médica francesa Karine Scheuermaier veio trazer o pequeno Nicholas, de três anos, para entender a "importância histórica do que aconteceu". "Eu dou aulas na universidade daqui e percebo em meus alunos o espírito de Mandela. Eles são muito esforçados, muito mesmo. Querem melhorar, querem aprender. Acho que Mandela mudou não só a política, mas o espírito das pessoas", disse ela.
Um quadro para Madiba
No meio da concentração de pessoas querendo chegar até a barreira de flores, surgem dois jovens segurando um quadro. Radile Mokone e Tebono Mofokeng vieram de Sharpeville, no sul de Johanesburgo, para trazer o presente para a família. A colagem tem tecidos, corda, madeira e miçangas compondo a imagem de Mandela com roupas tribais. O trabalho levou duas semanas para ser feito. "Viemos em nome da comunidade. É o que sabemos e podemos fazer", disse Radile.
Quando perguntado o que Mandela significa para ele, Tebono fica irritado. "Que pergunta é essa? Ele é tudo! Essa imagem aqui representa os pais, os avós, os mortos, todo mundo que sofreu e que Mandela libertou."
G1