A equipe do Globo Repórter esteve em Teresina no final do mês de agosto gravando matérias especiais para o programa que foi ao ar na noite dessa sexta-feira, 12. A editora do Globo Repórter, Angela Garambone, e a jornalista Beatriz Castro mostraram como Professores oferecem um dos melhores ensinos públicos do país às crianças de zona rural do Piauí. A matéria foi gravada na escola pública Laurindo de Castro, área rural de Teresina. A escola já esteve entre as dez melhores do país. Mesmo sem muitos recursos, os professores oferecem ensino de qualidade às crianças da região.
Veja a matéria completa:
O que faz a diferença numa escola? Os alunos? Os professores? O material didático? “Toda criança tem direito de ler o mundo. Transportar os livros pra sua cabeça”, leu um menino.
A educação é como um quebra-cabeça. Uma peça sozinha não é nada. Mas juntando uma a outra vão surgindo formas, figuras. Basta ter atenção e cuidado.
“Cuidado com o aluno, com a família do aluno, com a tarefa”, disse a diretora da escola Maria Pereira.
Maria Pereira é diretora da escola Laurindo de Castro. Da última vez em que foi avaliada, em 2009, a instituição conseguiu nota 7,7 no Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Ficou entre as dez melhores do país.
À primeira vista a escola chama atenção pela simplicidade. Não parece diferente de tantas outras escolas públicas do Nordeste. Mas lá dentro diariamente acontece uma revolução com resultados extraordinários. Nós viemos até o povoado Fazenda Boqueirão, na área rural de Teresina, para tentar entender como essa escola consegue oferecer um ensino de excelência aos alunos de baixíssima renda.
Logo na entrada a gente percebe os principais compromissos da escola. Eles estão estampados em frases por toda a parte. ‘Nosso maior patrimônio é o aluno’. Mais adiante, ‘Nosso maior objetivo é o sucesso do aluno’. Pra completar, ‘Nosso sonho é superar a expectativa da família’.
“Na sociedade que a gente vive onde só se destacam as escolas particulares ter uma escola pública na zona rural nessa qualidade é um privilégio sim”, disse ex-aluno Paulo Henrique Coutinho.
Privilégio é palavra rara por aqui. Um lugar de casa e gente muito simples. José Raimundo tem apenas 7 anos. E se arruma todo pra ir à escola. Ele nunca se atrasa.
“Sempre sai cedo e eu brigando com ele: menino, a kombi passa bem aqui, tu escuta a zoada. Se eu perder a kombi, a senhora é que é culpada”, contou a avó de José Raimundo, Francisca dos Santos Câmara.
Essa é uma oportunidade única na vida do menino, filho do pedreiro Domingos e neto de Francisca, que não aprendeu a ler.
“Eu quero que ele continue estudando pra que um dia ele possa realizar o sonho dele de ser um engenheiro. Será um orgulho para mim e pra toda a minha família”, afirmou o pedreiro Domingos Carlos Câmara.
O pai destaca uma das razões do sucesso da escola rural.
“Se a criança passar dois ou três dias sem ir pro colégio, eles já vêem o que aconteceu, por que a criança está faltando”, contou Domingos.
E lá vai ele. Todo orgulhoso.
“Por que você gosta dessa escola?”, perguntou a repórter Beatriz Castro.
“Porque eles incentivam muito as pessoas a aprender”, respondeu José Raimundo Câmara.
Poeira. Muito calor. Na zona rural, a distância é uma dificuldade a mais. O transporte escolar se torna essencial para evitar a evasão. E logo cedinho, a kombi vai passando e pegando um a um. As mães ficam preocupadas.
“Porque é longe, é velho o carro”, disse uma mãe.
“Como você gostaria que fosse?”, quis saber a repórter.
“Fosse um transporte maior, mais espaço pra eles”, respondeu outra mãe.
As crianças se acomodam como podem. Não há cinto de segurança e elas não percebem os perigos. Gostam mesmo é de viajar de pé.
De um ponto o carro não pode passar. As crianças vão ter que seguir um trecho a pé. Vamos ver quantas crianças vieram no transporte escolar – 19. Superlotação.
É a ponte que as crianças tem que enfrentar todos os dias. É antiga, de madeira, muito estreita.
Eles passam devagarzinho, com cuidado, embaixo passa o riacho São Vicente, que na época da chuva chega a transbordar, passa em cima da ponte. Algumas tábuas estão soltas, o corrimão não é muito seguro. Mas é por onde as crianças passam todas as manhãs pra chegar à escola.
O esforço é recompensado. Os alunos são acolhidos com carinho. A aula já começa a todo vapor.
Nenhuma turma tem mais de 20 alunos. Isso permite que a professora dê atenção a cada um.
“Às vezes uns são mais lentos que os outros, mas conseguem, é só a gente acreditar e persistir”, explicou a professora Ingrid Maria Verçosa.
Se a criança apresentar problemas, os pais são avisados e o período escolar passa a ser integral.
Dá gosto de ver o interesse até dos mais novinhos.
“A criança já cresce sabendo escolher uma leitura, sabendo fazer uma tarefa e não dependendo tanto dos pais, até porque 50%, 60%, 70% dos pais não sabem ler”, afirmou a professora Antônia Soares Oliveira.
E pensar que no início desse ano a maioria dessas crianças não sabia nem segurar o lápis. O desenvolvimento delas é impressionante. Já estão juntando as sílabas para formar as primeiras palavras. Vou pedir emprestado o caderno da Maria Fernanda pra mostrar a letra dela. Olha só que capricho, que letra bonita e a Maria Fernanda tem só 4 anos de idade.
A criança com necessidades especiais também é bem-vinda.
“Saber que o nosso filho vai ser bem recebido, que ele vai ser aceito com o problema que ele tem e que ele não vai ser excluído. Ah, não tem presente maior”, ressaltou a mãe de aluno, Lismary Araújo.
Esses alunos frequentam as aulas regulares, mas também têm uma sala só pra eles. Um lugar de brincadeira, conversas, desenhos e progressos.
“Meu exemplo maior é o Josiel. Ele chegou na escola de cadeira de roda, não falava, hoje ele já fala, já pega numa colher. Ele já abraça. Cada avanço é uma realização minha”, revelou a professora Raimunda Resende.
O ótimo resultado da escola faz parte de um processo iniciado dez anos atrás. Todos são estimulados a criar, dar ideias e participar.
“Ao mesmo tempo que é gratificante, é também desafiador”, afirmou a vice-diretora da escola Maria Hosana.
E desafio é o que não falta. A escola não tem refeitório. A merenda é levada pra sala de aula. O único brinquedo coletivo precisa de consertos. Os ventiladores não amenizam o calor.
O espaço para instalação do laboratório de informática está pronto há três anos. Aqui a bancada à espera das máquinas. O problema é que no povoado não tem telefone nem rede elétrica capaz de suportar o uso dos computadores. Resultado: a escola modelo está desconectada do resto do mundo.
O total isolamento é vencido no grito. Da varanda da casa da dona Albertina dá pra ver a escola. É bem pertinho, tem até uma passagem aberta pela cerca. A casa da vizinha funciona como um anexo da escola. É pra o telefone celular rural da dona Albertina que as pessoas ligam quando querem se comunicar com a escola.
“Tem dia que é mais de 10 telefonemas, toda hora tão chamando”, disse aposentada Albertina Leonarda.
“E a senhora virou secretária?”, brincou a repórter.
“É o jeito não tem outro telefone, só tem esse mesmo”, respondeu Albertina.
Enquanto a tecnologia não chega, essas brasileiras vão trabalhando com o que têm para formar cidadãos.
“Cidadãos que cresçam, tenham sucesso na vida e transformem sua própria comunidade”, ressaltou Maria Hosana.
“Eu quero ser jornalista”, disse um menino.
“Pediatra”, contou uma menina.
“Médico”, revelou outro menino.
“Nayara quer ser bailarina, Juan quer ser aviador, Jordan quer ser dentista, Cauã quer ser ator”, declamou outra menina.
Globo.com