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O remédio cloroquina, usado comumente no tratamento de malária e doenças reumatológicas, será aplicado em pacientes com o novo coronavírus (Sars-Cov-2) que apresentarem um quadro grave e estejam hospitalizados. A medida foi anunciada pelo Ministério da Saúde, que deve começar a distribuir o medicamento a partir do dia 26 de março.

Denizar Vianna de Araújo, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, afirmou que, em pesquisas laboratoriais, a cloroquina trouxe resultados promissores contra o novo coronavírus. “Nos pacientes em estado grave, que estão na UTI recebendo diferentes tratamentos, a mortalidade dessa doença chega a 49%”, justificou, em coletiva de imprensa. “Sabemos que os estudos ainda estão avançando, mas nós precisamos oferecer alguma coisa para essas pessoas especificamente”, completou.

Segundo ele, o Brasil tem larga experiência com a droga em questão principalmente por causa de seu uso contra a malária. O protocolo será de cinco dias de aplicação do fármaco. “E os pacientes ainda vão receber ventilação mecânica, o tratamento dos sintomas. Não deixaremos de fazer nada”, completou.

Somente os médicos poderão definir quem vai tomar a cloroquina — ninguém conseguirá comprar o medicamento na farmácia. Denizar ainda ressaltou que sua equipe estará de olhos nos resultados desse tratamento e nas reações adversas. O fármaco pode causar cegueira, alterações no ritmo cardíaco e lesões no fígado.

O fato de o Brasil conseguir produzir largas doses de cloroquina também foi considerado.

Faz sentido oferecer cloroquina para os pacientes com coronavírus nesse momento?
De acordo com a biológa Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência e pesquisadora da Universidade de São Paulo, não. Ela citou um estudo recentemente publicado na China que não viu benefícios da medicação. “Esse trabalho, embora pequeno, é mais bem feito do que a pesquisa francesa que está servindo de justificativa para dizer que a cloroquina é promissora”, compara.

Nesse experimento, 15 voluntários com Covid-19 receberam hidroxicloroquina — uma molécula análoga da cloroquina, que também foi empregada no estudo francês. Outros 15 não receberam o comprimido, mas todos os 30 participantes tiveram acesso aos tratamentos convencionais.

“Do grupo que recebeu a droga, 13 estavam com a carga viral zerada após uma semana. Do grupo que não a recebeu, 14 estavam livres do coronavírus”, revela Natalia. “Ou seja, estatisticamente não há qualquer diferença entre tomar e não tomar a cloroquina, segundo esse trabalho”, analisa.

A pesquisadora também critica o fato de o remédio contra malária ser administrado em pacientes com complicações graves do Sars-Cov-2. “São indivíduos já fragilizados. Não é uma boa ideia dar um tratamento sem qualquer evidência de eficácia e que pode causar reações adversas severas”, sentencia. Nos Estados Unidos, um americano morreu ao ingerir a cloroquina por conta própria para tratar a Covid-19, como mostra VEJA.

No momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lidera um conjunto de pesquisas com quatro medicamentos, que incluem a cloroquina. Um conjunto de instituições brasileiras também anunciou que realizará testes com a molécula.

Já um consórcio de instituições liderado pelo Inserm, na França, vai testar as mesmas drogas que a OMS — com exceção justamente da cloroquina.

Natalia admite que, nesse tipo de crise, certas pesquisas podem ser aceleradas para trazer resultados mais rápidos para a sociedade. “Mas, no momento, não temos nenhum remédio com um mínimo de evidência científica para ser aplicado nos pacientes”, diz.

A cloroquina ganhou destaque após um pronunciamento do presidente americano Donald Trump, que defendeu sua utilização. Pouco tempo depois, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, passou a defender pesquisas com ela.

 

Theo Ruprecht