Angola e Brasil são exemplos para a Organização Mundial de Saúde (OMS) de que o risco da febre amarela mudou e existe hoje uma maior ameaça de surtos. O alerta é de Laurence Cibrelus, do Controle de Doenças Epidêmicas da OMS, responsável por implementar uma estratégia ambiciosa de acabar com a epidemia de febre amarela no mundo até 2026. “Esses casos são sinais de que o risco nesses países mudou e a população não está suficientemente protegida.”
Qual é o cenário no mundo?
Em 2016, tivemos um surto urbano em Angola, que se espalhou para a República Democrática do Congo e com casos exportados para a China. Existiu um grande risco de epidemias urbanas, a partir da exportação de casos. Isso nos ajudou a entender que havia um aumento do risco de surto e transmissão internacional.
O que mudou?
Os riscos mudaram, os fatores ecológicos mudaram. Hoje, a questão, além de garantir proteção para populações em risco, é de evitar a exportação de casos para além das fronteiras conhecidas da doença. Cada vez que há um surto, a questão é a de controlá-lo o mais rapidamente possível. A febre amarela está aqui para ficar. A doença não pode ser erradicada. Mas o que podemos fazer é eliminar a epidemia, com ampla imunização sustentada ao longo dos anos. Podemos, assim, garantir que o vírus pare de circular em humanos. Isso é que queremos atingir até 2026.
Até que ponto as mudanças climáticas redesenharam as fronteiras da febre amarela?
De fato, isso está mudando. O mosquito é o ponto principal e onde podemos encontrá-lo varia conforme vemos mudanças climáticas, mas também uma transformação no uso do solo. Houve um aumento das chuvas e, portanto, um impacto na densidade de população dos vetores e onde estão. Isso teve influência direta na transmissão da febre amarela. Ocorreram também mudanças importantes no desmatamento. É na floresta que está o ponto inicial da doença.
E a imunização?
A questão é ter atividades continuas de imunização. Precisamos ter mais de 80% da população de uma área de risco vacinada. Mas não adianta realizar campanha uma só vez. Manter a imunização significa vacinar as crianças a partir de 9 meses de forma rotineira. Em alguns países, principalmente na África, a recomendação é de que toda a população seja vacinada.
Quais são os desafios?
Um compromisso político forte. Isso faz a diferença. É preciso que governos entendam as ameaças da febre amarela e o impacto que poderia ter, caso epidemias ocorram.
Por que isso tudo não foi feito no passado? A vacina é conhecida desde 1937…
O risco mudou. A ecologia mudou, o padrão de movimentação das populações mudou.
Estadão