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Um produto à venda no supermercado sob o termo ‘sem lactose’ no rótulo não significa que esteja livre da presença de leite de origem animal. É o que descobriu, a duras penas, a leitora Márcia Lemos Bento, de São Paulo, mãe de uma garota de dois anos e meio com alergia à proteína do leite. A menina apresentou reação alérgica no domingo, 1º, após ingerir um achocolatado da marca Piracanjuba. O produto ‘zero lactose’ continha leite de vaca em sua fórmula. “Quando eu vi sem lactose, achei que não tinha leite. Comprei umas 10, 15 caixinhas. Para mim sem lactose era algo que não tinha leite”, conta.

 

Revoltada com a situação, a avó da criança, Gilda Ramos, mandou mensagem ao VC no G1 relatando o caso. Ela reclama que o indicativo na embalagem de que o produto possui leite em sua fórmula era muito pequeno. “Havia letras garrafais indicando ‘zero lactose’, porém letras minúsculas, que necessitavam de uma lupa ou lente de aumento para citar os ingredientes: leite integral, soro de leite”.

 

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a marca Piracanjuba não fere nenhuma regulamentação de indicação de ingredientes. O órgão afirma que “a empresa é obrigada a expor todos os ingredientes do produto no rótulo, o que foi feito no caso. Não existe uma determinação de que produtos sem lactose alertem para a presença de leite”. O órgão ainda não se pronunciou sobre qual é a taxa máxima de lactose que um produto pode possuir para ser considerado 'sem lactose'.

 

A Laticínios Boa Vista, que controla a marca Piracanjuba, explica que o produto ingerido pela menina somente é  recomendado para pessoas que tem intolerância a lactose, e não para alérgicos à proteína do leite, já que ainda há presença do produto de origem animal na fórmula do achocolatado. “Como a própria consumidora identificou na embalagem, o produto contém leite e sua neta não poderia consumir nenhum produto que contenha leite. Lamentavelmente, a consumidora leu a embalagem apenas após o consumo”, diz.

 

Segundo a nutricionista e professora do curso de Nutrição da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Adriane Elisabete Antunes de Moraes, “o produto só será ‘deslactosado’ se o leite e soro de leite empregados tiverem sido tratados com a enzima lactase até a quebra de pelo menos 99,5% da lactose”, afirma. Ela explica que a lactase é responsável por digerir o leite no organismo, transformando a lactose em dois açúcares – glicose e galactose. A pessoa que tem intolerância à lactose não produz essa enzima em quantidade suficiente no corpo. Por isso, precisa de uma ajudinha extra, com a retirada da lactose pelo tratamento dado ao leite.

 

Só que quando uma pessoa tem alergia à proteína do leite, a história é outra. “[Neste caso] só a lactose foi desdobrada previamente. Se você reconstitui o leite, ele contém a proteína e a gordura”, afirma a Doutora Yu Kar Ling Koda, chefe da Unidade de Gastroenterologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP. Ela esclarece que as substâncias listadas na embalagem, como o leite integral e o soro de leite, podem dar algum tipo de reação em quem tem esse tipo de alergia “porque a matéria-prima [do produto] foi o leite de vaca”. A avó da garota confirma a suposição. “Ela só toma leite de soja, só come chocolate orgânico. Até se ela toca em um queijo fresco, tem reação. Só que a gente sempre compra o que é zero lactose, confia que não tem leite”, afirma Gilda.

 

Koda diz que é comum os pais se confundirem ao receber o diagnóstico de alergia ao leite ou intolerância à lactose. “Às vezes, [as reações em intolerantes à lactose e alérgicos à proteína] são parecidas, principalmente em crianças. Quando dizemos ‘alergia’, logo vem à cabeça que podem aparecer erupções na pele e coisas desse tipo, mas em crianças os sintomas podem ser vômito, diarreia, mal estar. Os sintomas confundem mesmo”. A médica ainda recomenda que pessoas com esse tipo de alergia somente consumam produtos cujo componente de proteína não seja de origem animal, como a soja.

 

 

Márcia conta que foi bem orientada pela pediatra de sua filha sobre a doença. “A médica foi clara. Deu que ela tem alergia a proteína do leite. Ela não pode [comer] nada que tenha leite, nem derivados, queijo, biscoito que tem leite”, afirma. Porém, a mãe tem medo de que o mesmo deslize aconteça com outras pessoas, por isso reforça o alerta. “Eu errei e olha que tenho experiência com isso. Imagina se é com alguém que é leigo, na escolinha. Ia dar o mesmo produto sem saber tem leite”, afirma.

 

G1