O cenário da saúde mudou bastante de 1990 para cá no país. Se naquele ano a maior causa de anos perdidos por morte ou incapacidade no Brasil eram decorrentes de complicações no parto prematuro, infecções respiratórias e diarreia (nessa ordem), hoje as principais mazelas são doenças isquêmicas do coração (que incluem o infarto), violência e, acredite, dores na coluna.
Esta é uma das conclusões de uma pesquisa mundial anunciada na terça-feira, 5, na Fundação Bill & Melinda Gates, em Seattle. O projeto, chamado Carga Global de Doenças, Acidentes e Fatores de Risco 2010, ou GBO 2010 (na sigla em inglês), é liderado pelo Instituto de Métrica e Avaliação de Saúde (IHME), da Universidade de Washington, e financiado pela fundação.
A pesquisa detalha causas de morte e de incapacidade em 187 países ao redor do mundo. Inclui pesquisadores de mais de 300 instituições, incluindo gente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
"Nosso objetivo é ajudar os governos e os cidadãos a tomar decisões bem informadas sobre políticas de saúde e investimentos, municiando-os com informação atualizada, abrangente e precisa", diz Christopher Murray, diretor do IHME. Segundo ele, a nova ferramenta mostra o incrível progresso que está sendo feito na saúde e os desafios que permanecem.
A pesquisa mostra que, em muitos aspectos, a saúde no Brasil segue uma tendência global: as pessoas estão vivendo mais, porém estão cada vez mais sobrecarregadas e, por isso, são mais sedentárias, comem mal e sofrem mais de doenças do coração, dores nas costas e depressão.
Em comparação com outros países da América do Sul, no entanto, um problema se destaca aqui: a violência. O item aparece em segundo lugar na lista dos principais responsáveis por anos perdidos por morte ou incapacidade no Brasil.
Acaba de ser lançado levantamento tido como o mais amplo estudo da história para descrever as causas e a distribuição de doenças, traumas e fatores de risco do mundo. Isso (obviamente) é bom. E isso se mostrou (inesperadamente) ruim.
O chamado GBD 2010 (que poderia ser traduzido, do inglês, como Estudo do Ônus Global das Doenças) chegou causando impacto. Seus defensores alegam, com entusiasmo rotundo, que não há nada semelhante – nem de perto – em abrangência e profundidade na área de epidemiologia. Já os que se sentiram desconfortáveis com o oceano de dados apresentados alegam que os autores não primaram pela transparência.
Pior: os números do estudo vão de encontro a outros – bem aceitos –, vindos, por exemplo, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A métrica utilizada é o Daly (Disability Adjusted Life Years), ou, em tradução livre, Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade. O termo é muito utilizado por pesquisadores para comparar as condições de saúde de diferentes países ao longo do tempo. A medida inclui não apenas anos perdidos, literalmente, mas também os anos que as pessoas vivem sem poder trabalhar, por exemplo, por causa de determinado problema.
A substituição de doenças infecciosas por não transmissíveis é uma tendência em muitos países em desenvolvimento. Mostra que as condições sanitárias e o acesso à saúde evoluíram. Mas o aumento do número de mortes por agressão é especialmente preocupante no Brasil, segundo o instituto.
No ranking específico de causas de morte, a violência aparece em quarto lugar tanto em 1990 quanto em 2010 (atrás de doença isquêmica do coração, derrame e infecções respiratórias). O total estimado de mortes por agressão passou de 40.835, em 1990, para 60.534 em 2010, segundo a ferramenta. Entre indivíduos de 20 a 24 anos, representa 49% das mortes.
Apenas dois países da América do Sul – Colômbia e Venezuela – apresentam um cenário pior que o Brasil nesse sentido. Na Argentina, na Bolívia e no Uruguai, o item nem aparece entre as dez principais causas de morte.
Rafael Lozano, professor de Saúde Global no IHME e um dos profissionais que contribuíram para a pesquisa, explica que, do Caribe à Patagônia, a violência é a principal causa de anos de vida perdidos entre homens. "Este tem sido um problema desde 1990, mas em alguns países, como o Brasil, a violência tem aumentado a tal ponto que afeta seriamente a expectativa de vida."
Problemas crônicos como dores nas costas, depressão, ansiedade e asma são cada vez mais frequentes no Brasil, segundo o levantamento. Só as dores no pescoço e nas costas são responsáveis por 16% dos anos vividos com incapacidade pelos brasileiros, enquanto a depressão representa 11%. São condições que nem sempre levam à morte, mas têm um papel importante na qualidade de vida.
A pesquisa mostra, aliás, que embora a expectativa de vida do brasileiro esteja aumentando (de 69,1, em 1990, para 74,1, em 2010), os anos a mais são preenchidos com mais doenças e incapacidade. Apenas 63,8 desses 74,1 anos são vividos com boa saúde, indica a análise.
Essa também é a tendência em outros países. Mas em 78 dos 187 analisados – incluindo Colômbia, Argentina, Portugal e Espanha – as pessoas têm vidas mais longas e saudáveis que as dos brasileiros.
Os cinco principais fatores de risco para morte e incapacidade no Brasil são má alimentação, pressão alta, excesso de peso, tabagismo e açúcar elevado no sangue, nessa ordem. Todos eles têm ligação com o "assassino número 1" no país e no mundo: as doenças do coração.
O levantamento ainda ressalta que problemas como a poluição do ar doméstico (causada por produtos químicos) e a exposição ao chumbo persistem na lista dos 20 principais fatores de risco no país e, para combatê-los, é preciso reforçar as políticas ambientais.
Uol