"Eu pensei que a sÃfilis era algo da Idade Média, que havia desaparecido e que não era algo que poderia ocorrer nos tempos modernos."
Quem diz isso é Gavin, jovem britânico que descobriu ter a doença ao realizar um teste caseiro para detectar infecções sexualmente transmissÃveis (DSTs).
Sem apresentar nenhum sintoma da doença, ele teve sorte ao identificá-la antes de sofrer consequências que poderiam ser muito graves.
"Descobri a infecção na etapa secundária (da doença), um ano depois do contágio. Depois dessa etapa, a doença pode causar loucura, cegueira e até mesmo a morte."
O caso de Gavin serve de alerta para um aumento dos casos notificados de sÃfilis em diversos paÃses do mundo, incluindo o Brasil.
Na Inglaterra, por exemplo, o número de casos da doença chegou ao maior nÃvel desde 1949; nos EUA, dados de 2017 apontam que a sÃfilis avançou em todas as regiões e na maioria dos grupos etários. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, 5,6 milhões de pessoas contraem sÃfilis no mundo.
E é uma infecção que se propaga mais facilmente que outras DSTs, como gonorreia e clamÃdia.
No Brasil, a sÃfilis adquirida (ou seja, em adultos) teve aumento de 27,9% entre 2015 e 2016 (dados mais recentes disponÃveis), segundo o Ministério da Saúde. Em 2016, foram registrados 87.593 mil casos em adultos. As infecções por sÃfilis congênita em bebês, passada de mãe para filho na gestação, cresceu 4,7%.
O ministério disse em 2017 que esses números são resultado de um desabastecimento da penicilina (medicamento mais efetivo contra a sÃfilis), mas também do aumento nos diagnósticos, por conta da distribuição de testes na rede pública de saúde.
Sintomas (ou ausência deles)
Em alguns casos, os sintomas da sÃfilis em adultos são:
- úlceras genitais
- erupções generalizadas na pele, ou na palma das mãos e plantas dos pés
- cansaço e dor de cabeça
- febre e dor nas articulações
O problema é que, diferentemente do que acontece com outras DSTs, uma pessoa pode estar infectada com sÃfilis e não apresentar nenhum sintoma. E, dessa forma, acaba contagiando outras pessoas inadvertidamente.
Foi o caso de Gavin, que descobriu a doença justamente na fase chamada sÃfilis secundária, que é a etapa mais contagiosa da doença.
"Eu não tinha nenhum sintoma. Não sabia que estava infectado, porque a doença fica oculta. E você acaba passando ela adiante sem sequer saber", diz à BBC.
A sÃfilis é provocada pela bactéria Treponema pallidum e transmitida sobretudo pela via sexual (pela lesão genital que causa), seja vaginal, anal ou oral.
É, também, transmitida de mãe para filhos durante a gravidez -e também a segunda maior causa de mortalidade entre recém-nascidos no mundo.
Para cumprir a meta da OMS de eliminar as mortes por sÃfilis congênita, o Brasil terá de reduzir a taxa atual de 6,8 casos por mil nascidos vivos para no máximo 0,5 por mil.
Isso seria factÃvel no curto prazo "porque a sÃfilis é facilmente detectada e tratada. Tendo o teste rápido e tendo a penicilina, é possÃvel alcançar a eliminação (da doença)", disse à Agência Brasil em 2017 Adele Benzaken, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle de DSTs, HIV/Aids e Hepatites Virais do ministério.
Tabus e consequências
Mas, entre adultos, a doença ainda enfrenta tabus.
"Falei com alguns amigos sobre a infecção, mas não disse nada a meus pais. Seria uma conversa muito estranha e constrangedora", prossegue o britânico Gavin - que também descobriu ser HIV positivo.
"Você conta com um grande apoio quando tem HIV, há muita conversa sobre isso. Mas sobre a sÃfilis não se fala absolutamente nada", diz ele. "Tampouco se fala dos perigos pelo fato de a infecção não ter sintomas em algumas pessoas, pelo fato de que se você tem relações sexuais não protegidas você tem que se submeter a um teste (de DST)."
O tratamento consiste em antibiótico - penicilina benzatina para adultos e penicilina cristalina em bebês.
É crucial, porém, fazer o diagnóstico o mais cedo possÃvel, uma vez que, sem tratamento, a infecção pode perdurar anos e causar problemas sérios de saúde a longo prazo, como derrames, sintomas de demência, perda de coordenação, cegueira e males cardÃacos. E, ainda que a sÃfilis possa ser tratada nesse estágio posterior, os danos causados por ela podem ser irreversÃveis.
Por fim, as úlceras genitais causadas pela sÃfilis são uma porta de entrada para o contágio também pelo vÃrus HIV, como foi o caso de Gavin.
BBC Brasil - Todos os direitos reservados - É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC