Eles são vendidos como produtos saudáveis e muitas vezes surgem como opção para quem busca perder peso. Barrinhas de cereal, sanduíches naturais industrializados, iogurtes de fruta. Todos parecem boas alternativas em uma dieta.
Mas o que a aparência de saudável esconde é que esses alimentos são, sim, ultraprocessados e podem dificultar o processo de emagrecimento – ainda que eles se afastem do padrão do que se acredita ser ultraprocessado, como bolachas e salgadinhos, mais claramente ricos em sódio, gorduras e açúcar.
Um estudo de pesquisadores da University College London, publicado recentemente na revista científica "Nature Medicine", mostrou que o impacto dos ultraprocessados na dieta, mesmo os considerados "saudáveis", pode ser maior do que se imaginava.
O grupo comparou duas dietas: uma apenas com alimentos minimamente processados e outra com ultraprocessados, seguindo as diretrizes saudáveis do UK Eatwell Guide (guia britânico de alimentação saudável).
Os resultados mostraram que o grupo que consumiu somente alimentos minimamente processados teve uma perda de peso quase duas vezes maior do que quem comeu ultraprocessados.
Samuel Dicken, pesquisador do Centro de Pesquisa em Obesidade da University College London e autor principal do estudo, explica que os alimentos ultraprocessados tornam a dieta mais energeticamente densa, mesmo quando se analisa o consumo da mesma quantidade de calorias.
Camille Perella Coutinho, nutricionista e doutora em Ciências dos Alimentos pela USP, detalha melhor esse conceito.
"Os ultraprocessados, mesmo quando formulados para seguir diretrizes nutricionais, costumam ter uma matriz alimentar mais pobre e concentrar muita energia em pouco volume. Isso dificulta a saciedade e facilita o consumo excessivo", afirma. E o estudo mostrou que esses alimentos têm influência direta no processo de emagrecimento, influenciando não só a qualidade nutricional, mas comprometendo o comportamento alimentar e o equilíbrio energético.
Em resumo, a análise dos pesquisadores mostra que:
Os ultraprocessados têm uma taxa de ingestão mais rápida e tendem a necessitar menos mastigações por mordida, o que pode promover um aumento no consumo calórico. A hiperpalatabilidade e o sabor – alimentos popularmente conhecidos como mais gostosos – podem aumentar o consumo dos ultraprocessados. O controle do desejo de comer é muito mais fácil em dietas ricas em alimentos naturais, em comparação a cardápios ricos em ultraprocessados. "Na prática, dar preferência a alimentos menos processados é um caminho mais natural e sustentável para emagrecer, já que ajuda a controlar a fome, melhora a qualidade da dieta e reduz o risco de consumir calorias em excesso", analisa Coutinho.
Ultraprocessados 'saudáveis' X ultraprocessados 'tradicionais' Os especialistas explicam que os ultraprocessados chamados de saudáveis costumam ser "menos piores" do que os ultraprocessados clássicos porque, em geral, têm menos açúcar adicionado, menos gordura saturada e mais proteínas ou fibras.
E foram justamente esses os utilizados no estudo para mostrar que, ainda assim, eles podem impactar o processo de emagrecimento.
"Os alimentos ultraprocessados analisados, apesar de serem nutricionalmente melhores [do que os ultraprocessados típicos], ainda são mais densos em energia e podem trazer prejuízos à saúde", analisa Dicken. Isso acontece porque, mesmo sendo considerados um pouco menos prejudiciais, os alimentos ainda compartilham características com os ultraprocessados "não saudáveis":
Matriz alimentar alterada, o que dificulta a saciedade e facilita o consumo em excesso. Uso de aditivos (corantes, emulsificantes, estabilizantes) que podem afetar o metabolismo, a microbiota intestinal e os sinais de fome e saciedade. Baixa densidade nutricional quando comparados a alimentos in natura ou minimamente processados. Alto grau de conveniência e palatabilidade, o que estimula o consumo frequente, às vezes em substituição a refeições mais completas. "Na prática, isso significa que um biscoito integral pode até ser melhor do que um recheado, mas ainda está muito distante do valor nutricional de uma fruta com aveia", compara a nutricionista Camille Coutinho. Ela ainda comenta que a normalização desses ultraprocessados vistos como saudáveis pode trazer prejuízos justamente porque eles passam a ser consumidos com menos crítica e em maior quantidade.
Além das calorias Uma vez que o estudo compara dietas nutricionalmente equivalentes, ele mostra que o processo de emagrecimento vai muito além de quantas calorias são consumidas por dia.
A mudança envolve alterações no padrão alimentar e o controle de desejos, pontos que também são influenciados pelo consumo de ultraprocessados.
"Houve reduções significativas no apetite hedônico (consumo de alimentos por prazer) na dieta com alimentos minimamente processados, assim como a melhoria do apetite subjetivo (percepção da fome e do desejo de comer)", analisa Dicken. Ainda que a diferença da redução de peso corporal tenha sido significativa entre as duas dietas – perda de 2% do peso na dieta com alimentos minimamente processados e de 1% na dieta com ultraprocessados, em um período de oito semanas – os pesquisadores relataram a melhoria também de outros indicadores.
Foi observada, por exemplo, a redução dos triglicérides (gordura presente na corrente sanguínea) e maior saciedade com a dieta mais natural.
Camille comenta que o estudo reforça o quanto a presença de produtos ultraprocessados, ainda que sejam da categoria "saudável", pode prejudicar o processo de emagrecimento e alterar marcadores importantes de saúde.
"O quanto um alimento é processado pode sim fazer diferença no processo de emagrecimento. Quando a base da dieta são alimentos in natura ou minimamente processados, o corpo recebe mais fibras, água e volume. Isso aumenta a sensação de saciedade e faz com que a gente coma menos calorias sem nem perceber", pondera.