O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, indeferiu pedido de antecipação de tutela formulado pelo Estado do Piauí nas Ações Cíveis Originárias (ACOs) 2090 e 2091, em que o governo pede para ser desobrigado da restituição de valores ilegalmente cobrados por ex-administradores de duas unidades hospitares estaduais conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS): a Unidade Mista de Saúde Joana de Moraes Sousa e o Hospital Estadual Dr. João Pacheco Cavalcante.
Narra o governo piauiense que o Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou a prática de atos ilícitos pelos ex-gestores das duas unidades, compreendendo, respectivamente, a cobrança por serviços mais onerosos do que os realizados e por outros nem sequer prestados (caso da unidade mista) e a cobrança irregular por serviços (pelo hospital estadual). Diante da má gestão dos recursos do SUS repassados às duas unidades, o TCU determinou ao Piauí a restituição de, respectivamente R$ 349,322,06 e R$ 451.705,23 à União, até 15 de fevereiro próximo, sob pena de registro de inadimplência nos cadastros de controle (Siafi/CAUC).
Alegações
Invocando o princípio da intranscendência, o governo do Piauí alega que só os gestores faltosos poderiam ser punidos pelos ilícitos cometidos e que a administração estadual é tão vítima quanto à União dos atos praticados pela antiga gestão dos dois hospitais; que o pacto federativo impõe à União o dever de assegurar o interesse da população do ente federado mais fraco; que a responsabilização solidária do Estado do Piauí levará à impunidade dos ex-gestores, na medida em que o agente público contará com um avalista necessário pelos desmandos e ilícitos cometidos; que a competência do TCU se limita ao exame do uso do dinheiro público pelos gestores, sem alcançar as pessoas jurídicas federadas; e, por fim, que a pretensão da União ao ressarcimento já prescreveu, porquanto decorridos mais de cinco anos da data da lesão (artigo 1º do Decreto 20.910/1932).
Decisão
Embora ressalvando não ser caso de excepcionalidade inadiável que justificaria a atuação da Presidência do STF e que os pedidos serão examinados pelos relatores de cada uma das ações, por ocasião do início do ano judiciário, o ministro Joaquim Barbosa observou não lhe parecer plausível a aplicação do princípio da intranscendência às situações apresentadas nos autos. Ele lembrou que, de acordo com a Constituição Federal (CF), “o Estado age segundo a regra da estrita legalidade e tem como um dos seus objetivos principais a boa aplicação dos recursos públicos”. Assim, segundo ele, “no exercício de suas funções, o agente público é a manifestação tangível do próprio Estado e, portanto, eventuais danos ocasionados são imputáveis ao próprio ente federado”.
Ademais, ainda de acordo com o ministro, “o Estado tem o dever de orientar e acompanhar a atuação de seus agentes, em benefício da própria população”. Portanto, se o princípio da intranscendência fosse levado às últimas consequências, “fundamentaria o retorno à absoluta imunidade do Estado pela prática de atos ilícitos, dado que o ato ilícito sempre é cometido por uma pessoa natural atuante em nome do ente federado”.
Providências
O ministro reportou-se à manifestação dele em pedido de liminar na Ação Cautelar (AC) 2987, em que observou que “o critério determinante para suspensão dos efeitos negativos dos registros de inadimplência relativos aos convênios federativos é a tomada de medidas administrativas e judiciais teoricamente eficazes para correção das lesões ao erário”.
O presidente do STF também destacou seu entendimento na AC 3135, na qual assentou que “o princípio da intranscendência não é aplicável às hipóteses em que o ente federado não comprova ter adotado as providências legais cabíveis para sanar a lesão ao erário”. Essa comprovação, ainda de acordo com o ministro, “é imprescindível para que as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) tenham efetividade”.
Nos casos apresentados nos autos, entretanto, ele constatou que “o autor não demonstrou ter tomado qualquer atitude voltada ao controle dos atos dos agentes públicos, nem à reparação de dano”. Assim, no entender do ministro, se acolhida a proposta do governo piauiense, “o princípio da intranscendência se tornaria uma carta de imunidade prévia à responsabilização por eventuais lapsos de gestão”.
Portanto, “seguindo o mesmo raciocínio do autor, previamente ciente de que nada sofrerá em decorrência dos atos praticados pelos gestores, o ente federado perderá qualquer estímulo para fiscalizá-los”, concluiu o ministro. Diante de tal entendimento, ele indeferiu os pedidos de antecipação de tutela.
Informações STF