Dados da Secretaria do Tesouro Estadual mostram que, em 2017, o Piauí gastou 58% de sua arrecadação líquida com o pagamento de servidores públicos na ativa, aposentados e pensionistas. As informações são de levantamento realizado pelo G1 nacional e demonstra as dificuldades dos estados de se adequarem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
De acordo com dados da Secretaria Estadual de Fazenda, o Piauí continua acima do limite prudencial imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O limite prudencial é de 46,55, mas o Estado está em 47,74 próximo do limite legal de 49%, que quando ultrapassado gera sanções ao Estado. O Piauí corre o risco de ficar impedido de receber recursos de convênios e empréstimos.
O secretário de Fazenda, Rafael Fonteles, afirma que existem dificuldades para controlar a folha. “Nossa principal despesa não é o custeio, mas o pagamento de pessoal. Ano passado teve aumento dos professores e os militares receberam uma compensação da inflação. Tivemos os aumentos e promoções que são os chamados gatilhos automáticos. Houve convocação de concursados.
Então não é possível controlar a folha. Hoje 60% das nossas receitas vão para pagar pessoal. A pressao das categorias é muito grande inclusive na Assembleia”, declarou.
Para a recuperação estrutural do Estado, Rafael afirma que seria necessário passar três anos com crescimento das receitas acima de 5%.”Hoje nos salvamos um ano de cada vez. Mas para não ser preciso isso, era necessário que o Estado crescesse por três anos acima de 5%. Isso não ocorre hoje”, afirmou.
De acordo com o levantamento realizado, a dificuldade em seguir o que determina a lei não é só do Piauí. Quase a totalidade dos estados brasileiros gastou em 2017 mais da metade de sua arrecadação líquida com servidores públicos na ativa, aposentados e pensionistas. Somente três unidades da federação (Distrito Federal, Goiás e Sergipe) desembolsaram menos que 50% da receita líquida com esses servidores no ano passado. Em 2016, eram cinco: Distrito Federal, Amapá, Ceará, Mato Grosso do Sul e Sergipe.
Há casos de estados em que os com os servidores ativos, inativos e pensionistas superaram a marca de 60% da receita corrente líquida em 2017, como Minas Gerais (60%), Rio de Janeiro (65%), Tocantins (66%) e Roraima (77%). Essa conta considera os gastos com servidores de Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público dos estados. A Lei de Responsabilidade Fiscal, porém, estabelece limites individuais para cada um dos poderes.
Considerados cada um dos poderes individualmente, apenas o Executivo estadual supera o limite da LRF, que é de até 49% dos gastos com pessoal. Isso acontece nos seguintes estados: Santa Catarina, Minas Gerais, Acre, Tocantins, Rio de Janeiro e Roraima.
A receita corrente líquida, considerada para efeitos do cálculo, abate os repasses constitucionais feitos aos municípios e a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema previdenciário.
Impacto nos serviços públicos
Os estados brasileiros são responsáveis por atuar em parceria com os municípios no ensino fundamental, por agir nos atendimentos especializados de saúde e de alta complexidade, além de serem os principais responsáveis pela segurança pública e pelo sistema prisional. Além da arrecadação própria, também recebem repasses de recursos do governo federal.
Para as despesas com saúde e educação, os estados são obrigados a gastar, respectivamente, 12% e 25% de sua receita corrente líquida, segundo a Constituição Federal. Entretanto, há estados, como o Rio de Janeiro, por exemplo, acusados de não cumprir esse piso constitucional, que tiveram de atender esse requisito por determinação judicial.
O estado de São Paulo contabilizou despesas com previdência de inativos nas contas de investimentos com educação o que gerou uma ressalva em suas contas, apesar de ter cumprido a meta de investimentos determinados pela Constituição na área.
Para os outros setores, como segurança pública, por exemplo, não há um piso constitucional definido. Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o valor gasto pelos estados com servidores públicos ativos e inativos é “absurdamente alto”. “O problema são os aposentados. Porque os ativos fazem parte do serviço e precisa ter eles lá. Precisa ter professor ativo”, declarou.
Para ele, esse peso alto dos servidores nas contas dos estados gera impacto nos gastos com segurança. “Têm vários outros segmentos que não são protegidos [pela Constituição]. Um deles, um dos itens mais importantes, é a área de segurança pública. Não tem qualquer proteção e se torna um alvo fácil das políticas de ajuste”, avaliou Velloso.
De acordo com a consultora, Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda do estado de Goiás, o alto valor gasto com pessoal é um dos principais problemas dos estados. Mesmo assim, ela avaliou que é possível alocar melhor os recursos disponíveis porque há, de acordo com ela, muito espaço para medidas de gestão – com uma melhor análise das necessidades reais de cada estado, além do treinamento e avaliação dos servidores públicos.
Na avaliação da economista, também é necessário levar adiante uma reforma administrativa nos estados brasileiros, discutindo o emaranhado de carreiras e regras distintas de cada uma, além das progressões salariais rápidas, que também podem ser vistas no governo federal.
Custeio e Investimentos
O detalhamento feito pelo Tesouro Nacional mostra também que, com o alto valor gasto com servidores, as despesas com custeio também são afetadas. No ano passado, representaram de 18% a 28%, mas neste caso da receita total. O custeio engloba gastos com remédios, gasolina, material de expediente, uniformes, fardamento, assinaturas de jornais e periódicos; tarifas de energia elétrica, gás, água e esgoto; serviços de comunicação (telefone, telex, correios); fretes e carretos; locação de imóveis, entre outros.
Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás, avaliou que o baixo volume de recursos disponíveis para custeio, devido ao peso dos gastos com servidores públicos e da falta de planejamento dos estados, também impacta os serviços prestados – pois acaba restando menos dinheiro para comprar remédios, equipamentos de saúde e para realizar reformas nas escolas, por exemplo.
Aos investimentos, ainda de acordo com dados do Tesouro Nacional, restou uma parcela de 2% a 12% do total das receitas em 2017. O especialista em contas públicas Raul Velloso avaliou que os investimentos estão entre os principais afetados pelo ajuste fiscal nos estados, fruto também do alto valor gasto com servidores.
“Ninguém investe mais. É um absurdo. A infraestrutura está em frangalhos em todos lugares. Os estados não investem nada”, declarou ele. Relatório recente da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, mostra que, depois de avançarem entre 2008 e 2014, os gastos dos estados com investimentos dos estados da federação recuaram nos três últimos anos.
“Em termos de intensidade, as maiores quedas relativas dos investimentos públicos ocorreram nos estados do Rio de Janeiro, Acre, Espírito Santo e Amazonas. No agregado destes quatro estados o investimento público caiu R$ 10 bilhões de 2014 a 2017”, informou a IFI, em relatório.
A Instituição Fiscal Independente avaliou ainda que Minas Gerais e Roraima estão entre os estados que apresentaram as maiores quedas relativas nos investimentos públicos nos últimos anos.
Despesas com aposentados
O Tesouro Nacional também apresentou um detalhamento das despesas com aposentados, em relação ao gasto total com pessoal dos estados. De acordo com a instituição, as despesas informadas pelos estados com servidores aposentados variaram de 1% a 62% dos gastos totais com pessoal em 2017.
Em seis estados, esses gastos representaram 40% ou mais das despesas totais com pessoal. São eles: Sergipe, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Este último tem 62% de suas despesas com pessoal destinada aos servidores aposentados.
Os números mostram que os estados com dificuldades estão entre aqueles que mais gastam com aposentados. O Rio de Janeiro, por exemplo, já ingressou no programa de recuperação fiscal do governo, que autoriza uma suspensão no pagamento de sua dívida com a União em troca de medidas de aumento de receita e corte de gastos.
O Rio Grande do Sul já entrou com o pedido e está em com o Ministério da Fazenda. Minas Gerais também passa por dificuldades em suas contas, mas ainda não optou pelo programa. Para o economista Raul Velloso, uma solução para os estados seria criar fundos de pensão para os aposentados, apartando essa despesa do orçamento estadual. “O empregador contribui, mas não é responsável por todo pagamento”, diz.
Com informações do G1