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Pouco mais de seis horas me separam de completar exatamente quarenta dias de isolamento social, distanciamento ou quarentena, entre outras denominações que escolheram para batizar esta situação nunca antes vivenciada por mim desde que me entendo por gente. Em tempos de distanciamento e isolamento social, muitos têm aproveitado a oportunidade para, com mais intensidade vivenciar o convívio familiar, compartilhar as tarefas domésticas e no meu caso, como será possível perceber na leitura desse texto, se aproximar de Machado de Assis e da forma como o mesmo retratou através de sua obra o comportamento da sociedade da época, uma verdadeira viagem ao século XVIII. Foi assim em A carteira, A mulher de preto, A pianista, A igreja do diabo, A semana, entre outros.     

francisco1

Voltando a quarentena, confesso que a experiência vivenciada tem sido um celeiro de aprendizado e também uma hercúlea oportunidade para que a sociedade revele seus comportamentos e estratégias de enfrentamento de desafios desta magnitude. Esta situação, além de representar um fértil terreno para brotar a verdadeira e a falsa generosidade, vem provocando um debate em torno das desigualdades sociais, a pauta predominante é, se a prioridade deve ser a economia ou salvar a vida das pessoas. Também são em momentos como esses que alguns preferem se apegar ao interesse individual em detrimento do coletivo, desengavetando o senhor mercado que habita em si, e dessa forma, revelando que não é possível perder um único segundo de sua forma homo econômicus2 de se comportar. SANTOS (2020), a quem em tempos de distanciamento também tive a oportunidade de me aproximar, através das temáticas abordadas em “A cruel pedagogia do vírus”3
nos ajuda a compreender as entrelinhas do que ocorre para além da questão do agravamento do quadro epidemiológico, numa conjuntura que tem sido marcada por uma guerra “sem quartel” e de caráter econômico entre a China e os EUA. No Brasil, o cenário também é de uma profunda
crise que se materializa através da concentração da renda do desemprego, situação que se reflete no debate entre os epidemiologistas e os representantes do senhor mercado ao definir as estratégias de combate a pandemia em curso.

A imprensa, no sentido de fazer com que todos compreendam a gravidade do momento e cumpram o que tem sido orientado pela OMS, tem feito uma grande mobilização, tornando transparente todas as ações desenvolvidas pelas autoridades de saúde nos diversos níveis. Porém, em sua cobertura diária, ao mesmo tempo em que fartamente mostra o isolamento dos setores mais abastados da sociedade, invisibiliza os que não tem como ficar em casa porque não tem casa. Assim, num cenário em que a política econômica adotada no país empurra as pessoas para a chamada “uberização” e informalidade, quais as chances de se ter uma quarentena plenamente cumprida?.

1
Técnico Agrícola, Extensionista Rural do EMATER/PI, Pedagogo espec. em Gestão do Trabalho Pedagógico, Mestrando em educação PPGED/UFPI.
2
Forma de atuar referenciada apenas no consumo e produção, portanto não levando em conta as dimensões éticas, morais, religiosas, políticas, etc.
3
SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Edições Almedina. Coimbra, 2020

Embora a situação se torne cada vez mais grave, constata-se que alguns preferem negar e minimizar os fatos, caindo a ficha apenas quando vivencia a dura experiência de ter, que após constatar que já não resta “um supro de alma metido no invólucro mortal”  4, que se despedir e testemunhar a perda irreparável de um ente querido. Aos que insistem em continuar negando, tenho que confessar a angústia que venho vivenciado nestes tempos sombrios, é como se de repente as “capas de veludo se resumissem a franjas de algodão” 5 q ameaça se aproxima como a velocidade da luz, enquanto a Bolsa de Valores e suas ações despencam vertiginosamente os casos confirmados, bem como os óbitos crescem exponencialmente. As medidas são duras tanto para os trabalhadores como para empreendedores, ou seja, para todos que sobrevivem direta ou indiretamente das atividades econômicas impactadas com as medidas restritivas. As reações são as mais diversas, com alguns se manifestando radicalmente contra, outros apoiando e outros indiferentes, mas, enfim, é vida que segue, como diria Machado de Assis, são comportamentos inerentes a “eterna contradição humana”6.

Finalizo alertando que não há outro caminho, se eu e você, deixarmos de fazer o dever de casa, certamente continuarão crescendo as já gigantescas filas para dar entrada no seguro desemprego, para receber os R$ 600,00, a espera de um leito com respirador, de uma vaga na
UTI, e infelizmente para ser recolhido pela funerária, sem contar que já nem se fala mais na cerimônia de despedida do invólucro mortal. Ah!talvez até seja preciso conferir com antecedência, se lá pelo céu ou pelo inferno ainda tenham vagas disponíveis.

Atenção, ficar em casa e usar máscara salva!

4 Machado de Assis em “A Semana” nº 101 03/07/1892, referindo-se a regra espírita e reencarnação. 5 Machado de Assis ”A igreja do diabo” 6 _______________“A igreja do diabo”

Francisco de Assis