Paulo Autuori falou. O técnico do Botafogo estava em silêncio, durante a pandemia do CoronaVírus, aguardando os acontecimentos relativos ao futebol.
Em entrevista exclusiva ao blog, Autuori condenou a pressa de algumas pessoas, com interesses alheiros ao mundo real, pedindo também mais posicionamento dos seus colegas de profissão. Confiram o bate-papo sobre o Botafogo, gestão e o motivo da sua saída recente do Santos.
Algumas lideranças estão pressionando para o retorno do futebol?
Claro, dentro e fora do futebol de uma maneira muito clara. Não vejo o por quê disso. Volto a falar, diante de tantas mortes, tanto sofrimento, parentes que não podem se despedir de seus entes queridos, falar em futebol como se fosse algo fora da realidade, como se as pessoas fossem outras quaisquer, não vejo isso com sensatez. Os que são a favor não entendem quão complexa é a rotina de treinos de uma equipe. Não é apenas juntar os jogadores, são vários profissionais envolvidos. Quando o Montenegro falou que prefere o W.O a salvar vidas, futebol é vida e temos que preservá-las. Há uma forçação de barra, o Flamengo tentando forçar, infelizmente faleceu o massagista Jorginho, um ser humano extraordinário. Pelo que eu li, oito funcionários testaram positivo e farão outros testes. É um risco muito grande. Temos que pensar em todos e aqueles que não têm condições, que ganham apenas um salário mínimo? O que me preocupa é ver dirigentes querendo a volta do futebol. Aliás, gostaria de ver mais técnicos se posicionando como eu. Não interessa se são a favor ou não dos treinos. Exigimos posição dos jogadores, mas não nos posicionamos? Esperava ver mais profissionais da minha área dando opiniões, concordando ou não.
Como você analisa a situação do Botafogo, atualmente?
Quando aceitei o convite do presidente Montenegro para participar desta transição do clube para clube/empresa, foi para dar minha contribuição como treinador neste primeiro momento para depois entrar numa situação mais próxima da estratégia, sempre na parte técnica. Não como CEO ou diretor-executivo. Aceitei porque foi o clube que me abriu as portas e teve a coragem de acreditar. Meu objetivo é ficar na gestão técnica, não mais como treinador. Botafogo tem uma história riquíssima e vem atravessando momentos muito complicados, assim como a maioria das equipes. Somos grandes, temos história e temos que ganhar e para se ganhar há que se ter investimentos e jogadores de qualidade. Há um momento que existe essa incompatibilidade onde você não está em condições de contratar, a saúde financeira do clube não permite e você é pressionado para ganhar. Momento complicado, Botafogo tem que fazer um time dentro da sua realidade. Títulos sempre serão exigidos porque é um clube grande e quem entra nisso tem que estar consciente de que não pode se acomodar. Falar em outros jogadores, seria uma falta de respeito pela pandemia, mas o clube tem que estar atento em fatos reais.
A transformação em Clube/Empresa será a salvação do Botafogo ou o futebol brasileiro não está pronto para isso?
Eu acho que isso é inexorável para o futebol brasileiro. Pode demorar mais ou menos. Você tem maneiras diferentes para gerir o clube. O modelo alemão é interessante, onde o clube é majoritário e você tem o poder das decisões. Isso tudo tem que ser definido num grande debate, que é aquilo que falta ao nosso futebol. Estamos só pensando em como vamos terminar 2020 e vamos perder mais uma oportunidade de pensar de forma abrangente e futura. É sim a saída para o Botafogo e os grandes clubes. Infelizmente, existem alguns clubes que estão apenas sobrevivendo, empurrando com a barriga, ano a ano, sem perspectivas de mudanças. Os clubes são a essência de tudo e não existe futebol forte sem clubes fortes. A CBF só se preocupa com Seleção e patrocínios. Temos que crescer todos juntos, pensando no espetáculo. Vai ser agora? Não sei. Nossa preocupação é em como vamos viver e ver o que fazer.
Honda é diferente mesmo?
É um grande cidadão. Como jogador, fez coisas muito boas em termos de Japão que o levaram à Europa, em clubes importantes. Defino o Honda com um olhar sempre posto para o gol adversário. Qualquer ação que tenha é para a equipe jogar para a frente e rápido. É extremamente eficiente, eficaz, joga e faz a equipe jogar, na conexão com seus companheiros, com uma visão de jogo muito diferente. Tem muito para contribuir ao Botafogo em todos os sentidos.
O garoto Luiz Henrique, revelação do Botafogo, tem potencial para ser um grande nome?
É um jogador com potencial enorme. Taticamente, já é bem evoluído. Além de aparecer bem individualmente, tem um trabalho de equipe muito forte, características para um mercado europeu e a pouca idade(18 anos). Está sempre aberto para ouvir ideias e conceitos táticos e sempre disponível para treinar no seu limiar. Dificilmente, não será aquilo que se tem como perspectiva.
O lateral Marcinho deve deixar o Botafogo(contrato termina em dezembro)?
Marcinho já demonstrou sua vontade de mudar de ares. Eu acho que a diretoria já entendeu isso e há o que se respeitar. Grande profissional, com nível intelectual interessante, dedicado. Proporcionou benefícios ao Botafogo e acho que o clube não irá se opor, através de uma conversa.
Por que você saiu do Santos?
Um ambiente ótimo e um grande clube para trabalhar, com o futebol todo integrado. Não me decepcionei com ninguém. Agora, costumo me posicionar e não posso compactuar com algumas situações. Infelizmente, haviam coisas definidas entre nós e o presidente Peres deu uma declaração sobre o Cueva, num assunto que já estava definido entre nós. O Sampaoli não queria o Cueva no elenco e o presidente deu uma entrevista que o treinador teria que colocar o jogador para ele aparecer, pelos valores altos. Não pude aceitar isso e no mesmo dia, liguei para o presidente que eu iria me posicionar publicamente. Quem define sobre o jogador é o técnico. Não posso aceitar qualquer interferência e ali cortamos qualquer chance de continuidade. Respeito muito o presidente Peres, mas sou um homem que costumo me posicionar. Esse foi o motivo da minha saída do Santos.
Autuori está com 63 anos e passou por Fluminense, Athletico-PR e Santos, recentemente, como gestor técnico e treinador. Retornou ao Botafogo em fevereiro deste ano.
Yahooesportes
Foto: Thiago Ribeiro/AGIF