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indiosAté o final deste ano, seis indígenas de tribos do Amazonas serão selecionados para treinar por dois anos na Vila Olímpica de Manaus com a expectativa de participar da seleção brasileira de tiro com arco na Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Nenhum dos concorrentes, porém, já assistiu a alguma edição dos Jogos ou sequer sabe da existência da competição.

 

O inédito projeto foi lançado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), com apoio da Federação Amazonense de Tiro com Arco (Fatarco), para "caçar" talentos em sete aldeias indígenas. O trabalho de procura dos índios foi feito pelo arqueiro e técnico da Federação do Amazonas, Roberval Santos, em parceria com a treinadora Márcia Lot, contratada pela Fundação Amazônia Sustentável.

 

Lot passou cerca de dois meses para selecionar jovens com idade entre 14 e 19 anos das tribos Baré, Kambeba e Karapãna. Teve que mostrar imagens por meio de um notebook para os indígenas entenderem o que era uma Olimpíada e como suas habilidades com arco e flecha poderiam ser usadas.

 

"Eu morei com a família destes índios, vivi a rotina deles. Assisti aos Jogos Indígenas. E assim observei muitos jovens; aproximadamente 80. Na hora de escolhê-los, levei em consideração não só o talento, mas também a índole destes meninos e meninas. Escolhi menino que não bebe, que não fuma. Porque os que forem escolhidos ao final precisam ter uma cabeça muito boa para seguir", explicou Lot.idioss

 

Dos 80 índios observados em suas aldeias, uma parte foi selecionada para o primeiro treinamento em Manaus, em junho deste ano. Depois, apenas oito treinaram até este mês e agora aguardam a resposta dos seis selecionados. "Até o final do ano, estes nomes precisam estar definidos para que possamos treinar seis deles a partir de janeiro na Vila Olímpica de Manaus", disse Roberval Santos.

 

Entre os indígenas que concorrem às vagas para treinamento integral, há histórias curiosas. Graziela ou Yaci, 18, cujo nome em "nheengatu" (língua local) significa Lua, faz parte da tribo Karapãna e é a única menina do grupo de oito jovens que tenta conquistar uma das seis vagas para o treinamento do ano que vem. Aluna do terceiro ano do ensino médio, Graziela mora em Cuieiras, no Rio Negro. Para chegar até a escola, que fica em outra aldeia, ela sai de casa duas horas antes e segue o trajeto de barco. No retorno, a jornada se repete.

 

"Eu nunca tinha visto os Jogos na televisão. Eu não sabia a época que passavam porque na minha casa não tem luz direto. O gerador funciona apenas à noite", justificou Graziela, ressaltando que só pôde conhecer um pouco dos Jogos Olímpicos pelas imagens que Márcia Lot mostrou em seu computador na aldeia.

 

Graziela também teve de conciliar os treinos durante o período em que a "olheira" visitou a aldeia com as atividades domésticas pelas quais ela, a mãe e as irmãs são responsáveis. "Também sou responsável por fazer o pão para toda a aldeia. Mas sempre gostei de atirar. Eu aprendi a caçar com meu pai e meu avô", explicou.

 

Além de Graziela, foi também na aldeia Três Unidos, localizada na zona rural de Manaus, que outro talento foi descoberto no projeto: Anderson ou Mui Piruata (nome que significa arco-íris), 15 anos, da tribo dos Kambebas. Um jovem índio que mostra determinação na hora de buscar os seus sonhos. A treinadora enfatiza a garra de atleta citando a coragem que o indígena teve em janeiro deste ano, quando assumiu todos os riscos ao decidir fugir da aldeia para casar com a prima (também índia).

 

"Ele disse que só voltaria para casa se deixassem eles casarem. E ele conseguiu. O interessante é que essa mesma busca pelo que ele quer ele mostra nos treinamentos quando nos pergunta o que ele precisa fazer para ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas", comenta Márcia.

 

Como um autêntico representante indígena, Anderson justifica que aprendeu a usar o tiro com arco aos quatro anos, só observando o pai. "Já peguei peixe, pássaro e caça. Hoje, eu fico me imaginando no meio dos maiores, conseguindo medalhas", idealiza o garoto.

 

Jardel, ou Wuanaiu (nome que significa pássaro caçador em nheengatu), 17, pertence à tribo dos Kambebas, é um dos oito finalistas, mas foi "pescado" um pouco mais longe: em Uarini (município a 560 quilômetros de Manaus). Além do sonho de participar de uma Olimpíada, ele traz consigo também a vontade de ser médico. Esta surgiu na cabeça do jovem como uma possibilidade de continuar com "a cura" que seu avô já faz na aldeia. "Meu avô é curandeiro e já salvou vidas", explica.

 

No último dia de treinamento na Vila Olímpica de Manaus, Jardel era um dos meninos mais concentrados. Com cuidado e atenção, ele manuseava o arco observando sua estrutura e detalhes, bem diferente tecnicamente dos que ele aprendeu a fazer na aldeia com palmeira. É que nos treinamentos realizados pelo técnico Roberval Santos, os meninos precisaram deixar os instrumentos rudimentares de lado para pegar no arco profissional.

 

Chance para 2016 é difícil

 

Apesar da empolgação, a real chance de um índio desse grupo estar capacitado para 2016 é questionada até por quem capitaneia a ideia. Arqueiro há 19 anos, Roberval admite que o projeto de capacitação pode ser inviável para 2016, mas que pode pelo menos ser útil em longo prazo.

 

"Eu, de cara, achei impossível. Sabia que não seria fácil. Por sorte, nós temos três vagas para homens e três para mulheres garantidas para o Brasil pelo fato de ser o país sede dos jogos, mas eles (índios) têm que competir com outros brasileiros para conquistarem vagas. Mas estamos trabalhando. Vamos elevá-los a um nível técnico competitivo. As pessoas acham legal, mas concordam que é algo possível apenas para 2020. Mas isso não nos desestimula. Tanto que estamos treinando três horas de manhã e três à tarde", explicou o arqueiro.

 

A Confederação Brasileira de Tiro com Arco (CBTArco), apesar de alguns elogios, mostra preocupação e uma visão mais crítica. Eros Fauni, diretor técnico da entidade, disse não concordar com a forma com que a possibilidade destes índios ingressarem nas Olimpíadas é passada.

 

"Pelo pouco que eu vi sobre este projeto, acho que a forma que ele vem sendo divulgado pode estar provocando uma ilusão nestes meninos. E não é por aí. Sabemos que além de treinarem em Manaus, eles vão ter que disputar competições, conseguir índices, disputar com outros brasileiros as vagas disponíveis para os Jogos. Geralmente, um arqueiro só está preparado para ir a uma Olimpíada com seis, sete anos de treinamento, com raras exceções quatro, cinco anos. Ou seja é algo mais possível para 2020, mas isso não significa que é impossível. É uma boa iniciativa", explicou.

 

A visão de Fauni é endossada pelo diretor-técnico da Federação Paulista de Arco e Flecha (FPAF), Reinaldo Nunes, que não crê no sucesso do projeto para os Jogos do Rio. "Há um estudo da federação internacional de tiro com arco que mostra que de 1996 para cá, todos os atletas da modalidade que conseguiram medalhas em Jogos Olímpicos tinham pelo menos cinco anos de treinamento profissional, o que não condiz com a realidade e prazo que estes índios têm."

 

 

 Uol