Ainda não dá para afirmar que o Flamengo exorcizou o temido fantasma da altitude de 3.600m de La Paz. Afinal, o incômodo jejum aumentou para quatro jogos e quatro derrotas na capital boliviana após o 1 a 0 do Bolívar na noite de quinta-feira. Mas podemos dizer que, ao menos desta vez, a assombração foi espantada do estádio Hernando Siles. Pela primeira vez em sua história, o Rubro-Negro deixou a cidade feliz.
A classificação para as quartas de final da Libertadores foi obtida pelo placar agregado de 2 a 1, já que o Flamengo havia vencido o jogo de ida no Maracanã por 2 a 0. E ter segurado essa vantagem de dois gols por mais tempo foi fundamental para manter vivo o sonho rubro-negro do tetracampeonato continental. Os comandados de Tite conseguiram um feito inédito contra a tradicional blitz inicial.
Quando rolou um bate-rebate na área e Fábio Gomes emendou a sobra para fora aos 10 minutos, talvez já fosse um sinal de que desta vez seria diferente. Nas três partidas anteriores contra o Bolívar em La Paz, o Flamengo sofreu gols em menos de 10 minutos: foi assim no 3 a 1 de 1983, em que Navarro abriu o placar aos 10; foi assim no 1 a 0 de 2014, quando Arce marcou aos quatro; e foi assim esse ano no 2 a 1 na fase de grupos, quando Chico da Costa estufou a rede no primeiro minuto de jogo.
Na última quinta-feira, o Flamengo não só evitou a blitz no início, mas em todo o primeiro tempo. A única chance clara do Bolívar foi com Ramiro Vaca, aos 14, finalizando de primeira na área para defesa de Rossi após cruzamento rasteiro de Bruno Sávio. Enquanto teve perna e fôlego, o Rubro-Negro conseguiu preservar a vantagem durante 59 minutos, até os 11 do segundo tempo, quando Bruno Sávio abriu o marcador (em mais uma bola aérea nas costas de Ayrton Lucas). Mas aí o relógio foi um aliado, e. Tite em vários momentos apontava com os dedos para a testa, para o time ter cabeça.
Antes de analisar o jogo em si, é preciso fazer uma ressalva: não dá para avaliar desempenho na altitude com a mesma lupa do nível do mar. Como era esperado, o Bolívar foi melhor na partida como um todo: teve 61% de posse de bola diante de 39%; 22 finalizações contra oito e cinco chances claras. Além da já citada de Ramiro Vaca e o gol de Bruno Sávio, houve outras três: um chute no travessão do camisa 10 aos oito; outro de Henry Vaca aos 36.; e uma cabeçada no cantinho de Oviedo aos 41.
Mas o Flamengo parece ter aprendido a lição da classificação no sufoco sobre o Palmeiras no Allianz Parque, pela Copa do Brasil, e não foi até La Paz para só se defender. Tanto que teve três chances de gol: uma com Gerson cara a cara com o goleiro, mas ele não chutou aos 16 do primeiro tempo; outra com Ayrton Lucas em finalização na área para fora aos cinco minutos da etapa final; e uma com Luiz Araújo aos 48, quando o atacante poderia ter cruzado para Bruno Henrique completamente livre pelo meio (veja na imagem acima). O lance em que De la Cruz perde um gol feito no primeiro tempo não conta porque Carlinhos estava impedido no início da jogada.
Mesmo com sete desfalques, Tite conseguiu armar um time que competiu e equilibrou o primeiro tempo. O problema é quando os efeitos da altitude começaram a pesar mais com o cansaço na segunda etapa. Com jogadores extenuados em campo, como Pulgar, Gerson e De la Cruz, naturalmente o time perdeu força. O técnico demorou a mexer e, cheio de garotos no banco, nem usou as cinco substituições a que tem direito. E muitos jogadores foram ao limite físico e desabaram em campo ao soar do apito final.
O Flamengo não fez questão de ter muita posse no jogo, tanto que só trocou 184 passes contra 516 do Bolívar. E apostou em bolas longas para fazer os adversários cansarem mais rápido ao terem que percorrer distâncias maiores no campo. E contou com o brilho de Rossi para salvar as que passavam do bloco de marcação. O goleiro argentino fez defesaças e usou sua experiência para conseguir preciosos segundos para os companheiros respirarem nas reposições de bola.
O mais importante em La Paz não era nem vencer, e sim classificar. Depois da dura goleada sofrida de 4 a 1 para o Botafogo, uma eliminação logo na sequência certamente instauraria uma crise no Ninho do Urubu. A permanência na Libertadores garante dias de tranquilidade para trabalhar, e Tite tem muita coisa para acertar nesse time até os duelos com o Peñarol, do Uruguai, nas quartas de final em setembro. Os jogadores se reapresentam no CT na tarde desta sexta e voltam a campo domingo, às 20h (de Brasília), contra o Bragantino no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro.
GE
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