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A secretária sueca Serena Alund, de 31 anos, pega ônibus todos os dias para ir de onde mora, no Butantã, Zona Oeste de São Paulo, até a Avenida Paulista, onde trabalha. Conversa com qualquer paulista em português fluente, resultado de uma década de prática e aprendizado que ela adquiriu depois dos 20 anos, quando os pais decidiram imigrar para o Brasil para fazer trabalho humanitário, e trouxeram os sete filhos consigo. Mas foi só uma década depois, aos 31 anos, que ela decidiu experimentar a vivência em uma sala de aula em português. Matriculada no cursinho Henfil desde março, ela é uma dos mais 6 milhões de candidatos inscritos para a próxima edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que será realizada nos dias 3 e 4 de novembro.

 

Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação afirmou que ainda não tem dados compilados sobre o número de pessoas de outras nacionalidades inscritas no exame.

 

Em São Paulo, boa parte dos estrangeiros matriculados nas turmas do Enem no cursinho popular Henfil vem de países da América Latina. É o caso de Deyahir Daniel Escurra, de 16 anos. Nascido em Ayacucho, no Peru, ele chegou ao Brasil há quatro anos, com a mãe, o pai e dois irmãos mais novos. Ele se forma neste ano em um colégio da rede pública estadual e se inscreveu tanto no Enem quanto no vestibular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para tentar realizar seu sonho: cursar medicina.

 

"Me atrai um pouco essa coisa de ajudar as pessoas, de mexer com o corpo humano", afirmou o estudante que tem na biologia sua disciplina favorita no colégio.

 

Todos os dias, Daniel, que vive no Brás, na região central, passa as manhãs na Escola Estadual de São Paulo, onde termina o terceiro ano do ensino médio, e as tardes no Henfil. Como estuda na rede pública, ele se encaixa na nova lei de cotas sociais nas universidades federais e pode pleitear uma bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni) em uma faculdade particular. "Neste ano me inscrevi no Enem e na Unesp. O que eu vejo é que é muito difícil, mas acho que posso conseguir", afirmou.

 

A mãe do adolescente, Maruja Aydee Montesinos Ramos, conta que a família vivia em uma região violenta no Peru, onde sofriam ameaças e não tinham liberdade, quando decidiram se mudar para o Brasil. "Estou no dilema se o levo de volta ao Peru ou à Bolívia para estudar medicina. Aqui é muito difícil e não tenho dinheiro", disse.

 

Residência permanente

Serena, apesar de ter irmãos nascidos no Brasil, chegou a cogitar sair do país quando não conseguiu tirar a residência permanente, mas depois foi contemplada por uma anistia do governo brasileiro. Antes de chegar ao país, a sueca que nunca aprendeu a falar sueco cresceu na Argentina desde os dois anos e viveu no Paraguai a partir da adolescência.

 

"Lá fazíamos trabalhos com crianças, dávamos aulas, e quando eram maiores conseguíamos emprego para elas. No Brasil comecei com um grupo que se vestia de palhaço e ia a hospitais para conversar com crianças", conta Serena.

 

Como cidadã sueca, ela não teria problemas em conseguir uma vaga em uma universidade de seu país natal, onde o ensino superior é gratuito. Mas a secretária afirma que nem ela nem o marido, um brasileiro com quem está casada há cerca de dois anos, têm interesse em deixar o Brasil.

 

"Para ele o Brasil é o melhor lugar do mundo. Acho que São Paulo é uma cidade maravilhosa, mas tem o trânsito o stress... Mas eu gosto, de todas as cidades onde morei [Curitiba, Foz do Iguaçu, Florianópolis, Rio de Janeiro e Brasília], acho que gosto mais de São Paulo", afirmou a secretária, que quer estudar letras (tradutor e intérprete) para atuar como intérprete para estrangeiros em eventos no país.

 

Burocracia

Nike Gonzáles, que também é peruano e tem 16 anos, vive no Brasil há seis anos e decidiu fazer o Enem em 2012 como treineiro para conhecer a prova. "Vou fazer para medir a dificuldade, para saber um pouco mais, não entrar 'na gelada' no ano que vem", afirmou o adolescente, que pretende estudar engenharia.

 

O português ele aprendeu quando se matriculou na escola e começou a fazer amigos. Hoje, é fluente no idioma, mas afirma que gosta mais da disciplina de matemática.

 

O jovem vive no Brás com os pais, que têm um bar na região. Jesús Gonzáles, pai de Nike, é formado em administração de empresas e tenta conseguir o certificado de português avançado da prova aplicada pelo governo federal para validar seu diploma e tentar uma vaga no mercado de trabalho brasileiro.

 

Segundo Nike, uma oportunidade melhor a ele e ao filho mais velho foi o que motivou os pais a deixarem o norte do Peru, na região amazônica. "Eles vieram pela gente, para a gente estudar aqui, ter um ensino superior melhor, ser formado em alguma coisa."

 

Obstáculo linguístico

De acordo com Daniel Perez, professor do Henfil, a maior preocupação de alunos estrangeiros em sua sala de aula é a prova de redação do Enem. "Em alguns momentos a língua portuguesa é mais complexa que alguns idiomas deles", explica Perez. Ele afirma que, enquanto o inglês tem estruturar mais simples, e o espanhol tem uma tonalidade mais clara na leitura, com a pontuação no início das frases, o português tem "acessórios que alguns idiomas não trabalham tanto".

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Deyahir Daniel Escurra, Serena Alund, Daniel Perez

 

Certos elementos da grafia, como as palavras com SS e Ç, acabam confundindo alguns candidatos. Daniel conta que no início achou difícil, mas que aprendeu o modo correto nas aulas no colégio e observando as outras pessoas. Ele afirma que não tem muito medo das provas que envolvem a língua portuguesa, e que sua maior preocupação no Enem vão ser as questões de matemática.

 

Já Serena, que não estudou na rede de ensino brasileira, reconhece que a gramática do português é mais complexa que as de outros idiomas que ela domina, como o inglês e o espanhol, mas afirma que se sai bem em português. "Eu acho que química é um grande mistério para mim. Gosto da parte prática, mas a teórica, as tabelas, são muito difíceis."

 

Para os estrangeiros com menos domínio do idioma, Perez recomenda atenção redobrada na hora de fazer a redação.

 

"A prova objetiva é mais tranquila, agora na subjetiva, que é a redação, a saída é fugir das palavras que não entendem. Você consegue escrever uma redação com uma ideia e tentar achar outra palavra semelhante, que tenha significado parecido", sugere o professor.

 

G1