Um projeto internacional de pesquisa está desenvolvendo um jogo de simulação virtual para aprimorar o ensino sobre doenças valvares em estudantes de Enfermagem. A iniciativa é uma parceria entre a Universidade Federal do Piauí (UFPI) e a Queen’s University, no Canadá, e conta com financiamento da Canadian Alliance of Nurse Educators Using Simulation (CAN-Sim).
Iniciado em 2022, o projeto tem como título oficial “Jogo de Simulação Virtual para Estudantes de Enfermagem sobre Doenças Valvares” e reúne pesquisadores do Brasil e do Canadá. Através de parceria com a professora Marian Florence Luctkar-Flude, da Queen’s University, co-presidente da Associação Canadense de Simulação (CAN-Sim), foi angariado um financiamento para viabilizar a iniciativa. A colaboração inclui, ainda, a participação de alunos de graduação e pós-graduação em Enfermagem da UFPI e de outra integrante da CAN-Sim, a professora Jane Tyerman, que agrega vasta experiência no desenvolvimento de simulações clínicas.
Em abril de 2024, a equipe realizou cerca de oito encontros para a elaboração do jogo, e, em agosto do mesmo ano, integrantes do projeto viajaram ao Canadá para a gravação da simulação. O trabalho já rendeu uma publicação na revista BMJ Open e um artigo encontra-se em fase de encaminhamento para o Journal of Clinical Nursing.
Os estudos contam com a colaboração de renomados profissionais e pesquisadores, entre os quais: professora Elaine Maria Leite Rangel Andrade, Coordenadora do projeto e associada do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI); Profa. Marian Florence Luctkar-Flude, professora associada da Escola de Enfermagem da Queen’s University, com mais de 20 anos de experiência em educação em enfermagem e design de simulação clínica. Co-fundadora, diretora e co-presidente da CAN-Sim; professora Jane Tyerman, professora associada da Escola de Enfermagem da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Ottawa, com mais de 25 anos de experiência na prática clínica e mais de 15 anos no desenvolvimento de simulações clínicas e jogos virtuais, também co-fundadora, diretora e co-presidente da CAN-Sim; Phellype Kayyaã da Luz, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPI; Raylane da Silva Machado, doutora e ex-aluna do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPI, atualmente pesquisadora associada do GEPETEINCO; Sabrina de Oliveira Carvalho, Mestre em Enfermagem pela UFPI, responsável pela dissertação intitulada “Jogo de Simulação Virtual para Estudantes de Enfermagem sobre Doenças Valvares: Parte I”; Ana Beatriz Barbosa Paz, Enfermeira e ex-aluna do curso de Enfermagem da UFPI, autora do trabalho de conclusão de curso sobre o uso de simulação clínica virtual no ensino de cardiologia.
Contexto epidemiológico e relevância Clínica
As doenças cardiovasculares figuram como a principal causa de morte mundial, tendo sido responsáveis por 18,6 milhões de óbitos em 2019, de acordo com o Global Burden of Disease (GBD). No Brasil, embora tenha ocorrido uma redução no número de mortes entre 2000 e 2017, essas condições ainda permanecem como a principal causa de óbito, enquanto no Canadá ocupam a segunda posição, segundo a Public Health Agency of Canada.
Entre essas doenças, as Doenças Valvares Cardíacas (DVC) se destacam por afetarem diretamente a eficácia da circulação corpórea. As principais DVC – incluindo a Cardiopatia Reumática (CR), a Estenose Aórtica (EA) e a Regurgitação Mitral (RM) – foram responsáveis por 27.857 mortes nos Estados Unidos em 2017, com a válvula aórtica respondendo por 61% desse total.
A professora Elaine Maria Leite Rangel Andrade, coordenadora do projeto, explica acerca de tais enfermidades: “Doenças valvulares atuam diretamente nas válvulas do coração e, devido ao envelhecimento da população, a valvulopatia aórtica tende a se transformar em uma epidemia, especialmente pelo processo de calcificação da válvula ao longo do tempo”.
No Brasil, a etiologia das doenças valvares ainda inclui casos decorrentes de febre reumática, por vezes referida como doença valvar ótica, enquanto em países desenvolvidos predominam a calcificação decorrente do envelhecimento. Em 2019, foram registradas 2,6 mil mortes por DVC não reumáticas no Canadá e 4,8 mil no Brasil, ressaltando diferenças populacionais, socioeconômicas, políticas e culturais, mas também evidenciando a presença dos mesmos fatores de risco, como tabagismo, obesidade, hipertensão, altos níveis de glicose e riscos dietéticos.
A conduta dos profissionais de saúde na identificação e intervenção das DVC é crucial. As Diretrizes Brasileiras de Valvopatias, atualizadas em 2020, incluem algoritmos que contemplam a avaliação, diagnóstico e tratamento conforme a etiologia de cada caso. A formação adequada dos estudantes de enfermagem é considerada vital para que, futuramente, possam executar com eficácia o Processo de Enfermagem (PE) e garantir a segurança dos pacientes. Contudo, a carência de estratégias de ensino que desenvolvam o Raciocínio Clínico (RC) é apontada como um desafio que pode comprometer a qualidade do cuidado.
Em 2021, um estudo com 18 estudantes de enfermagem de uma universidade canadense indicou que o uso da simulação virtual promoveu emoções positivas que potencializaram a experiência presencial. Estudos adicionais reforçam que essa modalidade gera melhores índices de retenção do conhecimento e aprimora o RC quando comparada à simulação exclusiva no ambiente real. A simulação clínica tradicional já demonstrou eficácia no treino de habilidades técnicas e atitudinais, mas o modelo virtual surge como uma alternativa que permite “treino individual e aquisição de conhecimento por tentativa e erro”, sem os custos e limitações associados à utilização de laboratórios com manequins, destaca a Prof. Elaine.
Expansão do projeto: Graduação e Pós-Graduação
A pós-graduanda Sabrina Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF/UFPI), explicou que a ideia de usar o projeto como objeto de estudo surgiu durante a pandemia de COVID-19. "Estava no final da graduação e a tecnologia foi um divisor de águas para continuar avançando na enfermagem", comentou. Ao ingressar no mestrado com um projeto sobre telessaúde, compatível com a linha de pesquisa de sua orientadora, professora Elaine Maria Rangel Andrade, decidiram, após a primeira reunião, trabalhar com simulação virtual para abordar as doenças valvares cardíacas, dada sua importância epidemiológica e assistencial.
O objetivo principal do projeto é desenvolver um jogo de simulação virtual sobre doenças valvares para estudantes de enfermagem. Até o momento, foram realizadas as três primeiras fases: na Análise, foi feita uma revisão de escopo e mapeamento do uso de simulação virtual no ensino de cardiologia; no Design, em parceria com pesquisadores da Canadian Alliance of Nurse Educators using Simulation - CAN-Sim, foram selecionados os meios e recursos para o jogo; e no Desenvolvimento, os recursos foram usados para criar documentos que irão embasar a filmagem e montagem do jogo, tanto em inglês quanto em português.
De acordo com Sabrina, o protocolo da revisão de escopo foi publicado no BMJ Open, e os resultados do mapeamento estão em processo de publicação em outro periódico. “Para a comunidade científica, a divulgação dessa metodologia contribuirá para novas pesquisas e a ampliação do portfólio de softwares disponíveis. Para a sociedade, espera-se que a qualificação dos enfermeiros melhore a identificação precoce e o tratamento das doenças valvares”, ressaltou.
Já a egressa do Curso de Enfermagem, Ana Paz, compartilhou que, em uma reunião com sua também orientadora, professora Elaine Maria Rangel Andrade, foi apresentada ao projeto e inserida no grupo de pesquisa. Foi ali que conheceu os pós-graduandos Sabrina Carvalho, Phellype Kayyaã e Raylane Machado. "Para saber o que já existia na literatura sobre o uso de simulação virtual para o ensino de cardiologia na enfermagem, a revisão de escopo deveria ser produzida", explicou Ana. A partir disso, surgiu a proposta de que ela fosse responsável pela elaboração do protocolo.
O objetivo principal do seu trabalho foi apresentar as etapas necessárias para mapear a literatura científica sobre o uso da simulação virtual no ensino de cardiologia para a enfermagem, orientando a conclusão de uma revisão de escopo sobre o tema. Ana esclareceu que, por se tratar de um protocolo de revisão de escopo, não há um "resultado" propriamente dito. "O que posso dizer é que, a partir dele, foi construída uma estratégia abrangente que guiou a revisão de escopo", afirmou.
"Além da mobilidade, que é importante, conseguimos trazer recursos do exterior para cá. A professora Marian tem interesse em vir ao Brasil, e estamos buscando financiamento para trazê-la no próximo ano. Ela oferecerá um workshop, com imersão de três dias para ensinar desde a construção do roteiro até a filmagem de simulação virtual", comentou.
A ideia da iniciativa é trazer essa expertise para o campus, especialmente para o Departamento de Enfermagem, com possibilidade de envolver alunos e enfermeiros do Hospital Universitário, utilizado como campo para as práticas.
Uespi