Na sexta-feira, dia 16/01/2023, muitas pessoas postaram em suas redes sociais o resultado das notas da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), comemorando os resultados de regiões brasileiras e estados que tiveram estudantes que atingiram a nota 1000 na redação. É para comemorar? Sim. É um feito e merece destaque. Porém, temos que acender um alerta, pois, as 25 notas 1000 do Nordeste, as 6 notas 1000 do Piauí, ou os estados que não atingiram nenhuma nota máxima: Paraná, Maranhão, Roraima, entre outros, fazem parte do mesmo problema, o problema da qualidade educacional para poucos, reproduzindo o modelo de sociedade desigual no Brasil.
Ainda não foram divulgados os microdados do exame, apenas dados mais gerais, mas se analisarmos os dados de anos anteriores, todos os estados têm escolas com bom desempenho, em sua maioria (salvo exceções) são escolas privadas, onde estudam os filhos das famílias com maior poder financeiro.
Quando falamos de Enem, além de tratarmos de um exame para ingresso nas universidades, primeiramente, estamos tratando de uma avaliação em larga escala (avaliação que mede a qualidade das escolas e dos sistemas de ensino), para que sejam mapeados os êxitos e os fracassos, e a partir dos indicadores desenvolver políticas públicas para a educação. Contudo, não é o que tem sido observado, pois as avaliações em larga escala tornaram-se apenas resultados que criam ranqueamentos e disputas entre sistemas e escolas.
A lógica desse modelo de avaliação vigente no Brasil se traduz da seguinte forma: todos querem ter um índice ou nota para chamar de seu/sua. Governantes querem estampar em comerciais audiovisuais, e trabalhadoras e trabalhadores da educação querem postar em suas redes sociais. E a qualidade? A qualidade da educação tem sido transformada em um número vazio, descolado da realidade vivenciada por aqueles que trabalham e estudam nas escolas públicas. Quanto aos dados divulgados pelo INEP sobre as notas da redação do Enem 2023, das 60 notas mil, apenas 4 foram de alunos de escolas públicas.
É alarmante a discrepância do resultado das escolas privadas em relação às escolas públicas, contudo, encoberta pela euforia das regiões e estados vencedores. Nada de novo em um país de desigualdades abismais! O princípio constitucional da educação de qualidade como um direito (CURY, 2008), contido na Constituição Federal de 1988, não se concretizou como um direito, continua sendo um privilégio.
Para que uma educação seja de qualidade, como ressalta Gadotti (2013), é necessário que a vida dos alunos seja de qualidade, que a vida das professoras e professores seja de qualidade. Não podemos pensar uma educação de qualidade restrita apenas às quatro paredes da sala de aula. Assim como é defendido por Dourado e Oliveira (2009), uma educação de qualidade tem que levar em conta fatores internos e externos à escola. O dado central, a distância entre o desempenho dos alunos de escolas privadas em comparação com alunos de escolas públicas, é apenas a concretização do modelo político-econômico e de sociedade que está posto.
Este mesmo modelo que conseguiu tornar Lei o arcaico (Novo Ensino Médio), que divide a educação em dois modelos: alunos de escolas privadas que serão preparados para ingressar nas universidades; e alunos de escolas públicas que irão estudar “projeto de vida e empreendedorismo”, para administrar o subemprego e o subsalário que lhes serão pagos. Por fim, com os pés no chão, sem ser tomado pelo discurso fatalista e nem tampouco pelo voluntarismo — ainda há esperança, pois como dizia Paulo Freire: “A realidade não é esta. Está sendo esta, mas pode ser outra, e para a mudança nós do campo progressista temos que lutar”. Lutar contra o projeto que nos faz comemorar o baixo desempenho das escolas públicas no Enem como se fôssemos vencedores.
Raimundo Nonato Ferreira
Doutor em Educação
Professor do Departamento de Políticas e Gestão da Educação Universidade Federal de Pernambuco - UFPE