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Não posso viver sem escrever, talvez seja mais fácil deixar de viver, do que me esquecer de escrever. A literatura é minha forma mais predileta de ignorar a vida, e o direito é a maneira com que a mantenho viva. Meu maior patrimônio é uma ilusão invisível da qual questiono a existência do homem e sua desagregação social. Portanto, nunca quis saber de bens materiais e, jamais, tomarei qualquer iniciativa em conseguí-los.

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Quando ainda criança, nas localidades Caldeirão e Mandacarú, ambas na zona rural de Amarante, freqüentava diariamente o Rio Parnaíba e, diante daquelas águas, tirava lições de vida, e sabia distinguir os mistérios da natureza, uma vez que eles trilham junto com as águas, mostrando a existência de qualquer ser vivo do inicio ao final de sua trajetória. Sendo assim, as águas do rio foram e continuam sendo um denominador na minha escrita, até porque elas são as mesmas, como qualquer outra de qualquer recanto do universo, apenas sua composição química é alterada em decorrência de sua viagem em direção ao mar, como acontece com tudo que existe na fauna e na flora.

Comparo as águas com a vida humana que embala as artes visuais, animam as artes vivas, entretendo os obstáculos. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono, a segunda, contudo, não se afasta da vida – uma, porque usa de fórmula visível e, portanto, vital, a outra, porque vive da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi, e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de idéias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois ninguém fala em versos e a maioria das pessoas ignoram a poesia, o romance e o conto.

O direito é as leis que regem a vida dos homens, e tais leis são feitas por humanos, cheios de vícios, ignorâncias e todos os tipos de preconceitos inadmissíveis e interesses financeiros. Na literatura não existe injustiça, porque a literatura vive de fatos imaginários e dramas que dão vida a algo inexistente. O direito é criado e executado pelos humanos, daí vem a injustiça, a insegurança jurídica e a maldade objetiva, que cada homem traz consigo. O direito, embora beba o mesmo líquido que dá vida à literatura, no entanto, não possui sentimentos e não enxerga, é míope e sem coração. Enquanto a literatura possui sensibilidade em cada partícula molecular, chora e se desagrega de dor, quando vê a injustiça palmilhar a passos largos em sua frente. Mesmo assim, asseguro sem qualquer esforço raciocinativo, que aquele que pretenda trilhar na seara do direito, deverá primeiramente amar a literatura, pois, não existe um bom jurista sem antes ser um bom literato. É igualmente como a corrente sanguínea de um ser vivo, sem ela o coração é impedido de pulsar. Posso aqui definir a relação congênita do direito com a literatura, ambos alimentam-se de leitura, invenções humanas escritas por longos textos complexos, que da vida à literatura, sentido e razão ao direito na exatidão e fundamentação de determinadas decisões.

Por esse motivo, vejo num jurista a reencarnação de um literato, e em um literato o símbolo perfeito de um jurista vocacionado. Ninguém é capaz de desenvolver uma profissão sem a existência de um liame entre a vocação e a relação de interesse pessoal e o perfil do labor.

Da redação