Quatro dias após declarar que a varíola do macaco (monkeypox) é uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional, a OMS (Organização Mundial da Saúde) admitiu nesta quarta-feira (27) que ela pode ser considerada uma doença sexualmente transmissível.
Em entrevista coletiva, o conselheiro da OMS Andy Seale, especialista em HIV, hepatite e ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), lembrou que conselheiros da agência estão analisando a questão. "Em resumo, eles [especialistas] concluíram que essa é claramente uma doença transmitida durante o sexo e, portanto, é configurada como uma doença sexualmente transmissível, mas ainda não foi classificada como tal. Eles ainda estão comparando essa doença com outras doenças, avaliando dados laboratoriais."
Na semana passada, um estudo realizado em 16 países e publicado na prestigiada revista científica The New England Journal of Medicine mostrou que 95% das infecções tinham ocorrido por meio de contato sexual.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que o surto pode ser interrompido com a redução da exposição individual. Ele sugeriu reduzir parceiros sexuais e reconsiderar ter novos parceiros sexuais como formas de prevenção.
Além disso, orientou as pessoas a manter contato com quem se relacionaram sexualmente para facilitar o rastreamento no caso de alguém desenvolver a doença.
O estudo da semana passada também mostrava que 98% dos infectados eram homens que faziam sexo com homens. A OMS, entretanto, adverte que isso não significa que a doença não possa atingir outros grupos.
"Estigma e discriminação podem ser tão perigosos quanto o vírus", destacou o diretor-geral.
Para a líder técnica de varíola do macaco da OMS, Rosamund Lewis, é importante saber que essa é uma doença que pode ser transmitida, também, de outras formas.
"É uma doença que se transmite por contato próximo. Existem outros modos de transmissão além do contato sexual, existe o contato pele a pele. Embora um grupo seja predominantemente afetado no momento, é muito importante que todos entendam que qualquer pessoa pode se infectar. É muito difícil transmitir essa mensagem, pois existe um grupo afetado a quem queremos passar a mensagem sobre como se proteger, mas qualquer pessoa exposta à varíola do macaco pode se infectar."
Ela destacou que há infecções que ocorrem dentro de casa, por meio de abraços, por exemplo, ou do compartilhamento de roupas e objetos.
Outro desafio nas orientações da OMS é esclarecer que somente o uso de preservativo pode não ser capaz de evitar a infecção pelo vírus monkeypox, afirmou Seale.
"Não podemos simplesmente recomendar o uso de camisinha para evitar a transmissão porque ela ocorre quando existe contato de pele, não somente de mucosa. Estamos trabalhando para descrever isso como contato íntimo que pode ocorrer durante o sexo."
Um estudo conduzido por pesquisadores do Hospital Spallanzani, em Roma, detectou o DNA do vírus monkeypox no sêmen de um paciente que já não tinha mais lesões na pele.
Em laboratório, eles constataram que o vírus presente no sêmen permanecia contagioso e capaz de se reproduzir. O que se busca saber agora é por quanto tempo ele seria infeccioso.
No Reino Unido, autoridades recomendam que homens usem preservativo em relações sexuais por oito semanas após se recuperarem da doença.
Um monitoramento do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos mostra que o mundo se aproxima da marca de 20 mil casos de varíola do macaco, no maior surto global da doença na história.
O Brasil figura no sétimo lugar da lista de países com o maior número de casos. Até segunda-feira (25), tinha 813 pacientes, segundo o Ministério da Saúde.
O diretor do Programa de Emergências da OMS, Mike Ryan, afirmou que "a varíola do macaco não se compara à Covid".
"Mas ainda é uma doença severa que precisa de ação escalonada, porque não sabemos o que está por vir, temos muita incerteza. Isso está afetando uma parte da nossa comunidade, é importante mostrarmos solidariedade."
Segundo a agência sanitária, cinco mortes pela doença ocorreram até o momento, todas no continente africano. Cerca de 10% dos pacientes tiveram de ser hospitalizados em todo o mundo, a grande maioria para controle da dor.
Rosamund Lewis lembrou que há grupos específicos em que a doença pode evoluir mal. São eles: crianças, grávidas e indivíduos imunocomprometidos, como pessoas em tratamento quimioterápico ou transplantados, por exemplo. O diretor-geral da OMS voltou a reforçar o posicionamento da entidade de que não é recomendada neste momento a vacinação em massa contra a varíola do macaco.
A vacina do laboratório dinamarquês Bavarian Nordic, aprovada nos EUA para varíola humana e varíola do macaco, tem cerca de 16 milhões de doses disponíveis atualmente, muitas delas já compradas, mas nem todas envasadas.
Locais como a cidade de Nova York já estão vacinando homens gays e bissexuais, mas a OMS diz ainda não ter dados suficientes sobre a eficácia do imunizante nem sobre quantas doses poderiam ser necessárias.
"É importante lembrar que a vacina leva várias semanas para ser eficaz, o que quer dizer que as pessoas vacinadas precisam continuar a se proteger e fazer escolhas seguras", pontuou Rosamund.
A especialista também destacou que tradicionalmente essa doença tem uma taxa de transmissão abaixo de 1, o que significa que o surto é limitado.
O chamado R0 mostra "quanto uma pessoa infectada poderia transmitir o vírus. É uma média que pode variar para cima ou para baixo. Qualquer coisa abaixo de 1 indica que a epidemia pode ser contida; acima de 1, indica que a epidemia pode se disseminar", explicou a líder técnica de resposta à Covid-19 da OMS, Maria Van Kerkhove.
R7
Foto: Reprodução do HOSPITAL GERAL DE MASSACHUSETTS