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A melatonina se tornou nos últimos anos a queridinha de quem busca boas noites de sono sem ter que recorrer a medicamentos. Por ser um suplemento – versão sintetizada do mesmo hormônio produzido pelo nosso cérebro –, há quem julgue que ela possa ser inofensiva, o que não é verdade.

melatonina

Liberada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no ano passado para ser vendida em farmácias em doses de no máximo 0,21 mg, a melatonina pode ser comprada em sites brasileiros ou lojas de suplementos dietéticos em doses de até 10 mg. Entre os papéis mais conhecidos desse suplemento está a possibilidade de auxiliar na padronização do ritmo circadiano (ciclo sono-vigília).

Em situações normais, nossa glândula pineal libera melatonina quando estamos em ambientes escuros.

Todavia, a exposição à luz, principalmente de dispositivos eletrônicos, no período noturno é definitivamente um obstáculo no organismo de quem deseja dormir naturalmente. Embora seja um suplemento considerado seguro e liberado para a venda sem prescrição médica em boa parte do mundo, a melatonina pode causar alguns efeitos colaterais em determinados indivíduos, especialmente quando consumida em doses mais altas.

Em artigo científico publicado no JAMA (Jornal da Associação Médica Americana) neste mês, pesquisadores analisaram o consumo de melatonina por adultos nos Estados Unidos entre 1999 e 2018.

Além do aumento de 0,4% (em 1999) para 2,1% (em 2018) da parcela da população que relatava fazer uso do suplemento, eles constataram o crescimento do percentual de indivíduos que tomam doses acima de 5 mg, especialmente a partir de 2012.

O NHS (Serviço de Nacional de Saúde) do Reino Unido lista em seu site uma série de efeitos adversos associados ao uso de melatonina, muitos deles semelhantes aos de remédios da classe dos hipnóticos, que são justamente evitados por quem consome este suplemento.

Os mais frequentes, que ocorrem em 1 a cada 100 pessoas, são:

  • Sonolência ou cansaço durante o dia; • Dor de cabeça; • Dor de estômago ou náuseas; • Tontura; • Irritação ou inquietação; • Boca seca; • Pele seca e coceira; • Dores nos braços ou pernas; • Sonhos estranhos; • Suores noturnos.

A médica e pesquisadora Dalva Poyares, do Instituto do Sono, em São Paulo, reitera que, quanto maior a dose de melatonina, maior a chance de desenvolver esses efeitos colaterais. Entre os mais relatados está a sonolência pela manhã.

"A melatonina tem um ritmo circadiano. Ela vai aumentando durante a noite, chega a um pico máximo no meio da noite e, quando você acorda naturalmente, ela tem que estar no pico mínimo, no nadir, como a gente chama. Esse ritmo é quebrado quando você toma o suplemento em dose elevada, que pode ser acima de 3 mg, depende muito de cada pessoa."

Para alguém que precise dirigir um veículo ou operar uma máquina, esse efeito colateral pode ser extremamente perigoso, o que reforça que a melatonina não é inofensiva simplesmente por ser algo naturalmente produzido no nosso organismo, alerta a médica.

"Nada é inofensivo. As coisas são metabolizadas por algum lugar, e as pessoas ficam tomando 'n' suplementos e podem afetar o metabolismo de um medicamento de que realmente elas precisam. Existe essa ilusão de que é algo natural e [existe também] a facilidade de acesso, da mesma maneira que [ocorre com] fitoterápicos e chás. Tudo isso é muito popular, e as pessoas entendem que vai ajudá-las."

Sonhos vívidos e pesadelos são descritos por consumidores de melatonina. Em entrevista recente ao site da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, a psicóloga de medicina comportamental do sono Michelle Drerup esclarece que não há estudos científicos que associam o suplemento a esses sintomas, mas sugere algumas explicações.

Uma delas é que a melatonina pode levar a um sono mais profundo, chamado REM, justamente o momento em que acontecem sonhos mais vívidos.

“Se você está passando mais tempo no estágio do sono em que os sonhos vívidos são mais prováveis ​​de acontecer, isso pode naturalmente levar a um aumento nos sonhos ruins/vívidos."

Indivíduos ansiosos ou estressados tendem a ter mais sonhos vívidos e pesadelos, de acordo com ela. O mesmo ocorre com quem sofre de apneia obstrutiva do sono ou faz uso de medicamentos como betabloqueadores e anti-histamínicos. O Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa, ligado ao NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos), reforça em seu site que inexiste indicação do uso de melatonina no tratamento de insônia.

"De acordo com as diretrizes práticas da Academia Americana de Medicina do Sono (2017) e do Colégio Americano de Médicos (2016), não há evidências fortes o suficiente sobre a eficácia ou segurança da suplementação de melatonina para insônia crônica para recomendar seu uso. As diretrizes do Colégio Americano de Médicos recomendam fortemente o uso da terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) como tratamento inicial para a insônia."

Ao ter problemas para dormir – seja para iniciar o sono, para mantê-lo ou se está acordando muito antes da hora –, é importante procurar orientação médica antes de fazer uso de qualquer substância, mesmo que ela pareça inofensiva.

O médico vai diagnosticar se o paciente sofre de insônia ou se tem, por exemplo, síndromes relacionadas às fases do sono, entre outras doenças que podem estar relacionadas ao problema, como ansiedade e depressão.

"A melatonina pode ajudar a quem tem um distúrbio de ritmo biológico, como atraso de fase [do sono]. Tem pessoas que têm dificuldade em dormir cedo, mas também têm dificuldade em acordar. Então, não é bem insônia, tem a ver com o ritmo biológico. Então, ela [a melatonina] pode ter uma indicação. E, mesmo assim, em qual dose? Não existe um protocolo", argumenta Dalva Poyares.

Quando há necessidade de tomar algo, existem medicamentos com eficácia e segurança atestadas para casos de insônia ou ajuste do relógio biológico que podem ser prescritos pelo especialista.

A pesquisadora do Instituto do Sono explica que as únicas indicações médicas para a suplementação de melatonina são:

  • Distúrbio comportamental do sono REM – verbalização e movimentos agressivos durante pesadelos (é o único caso em que se pode usar uma dose mais alta).
  • Autismo.
  • Jet lag – alteração no sono após viagem em que há mudança de fuso horário.
  • Distúrbio de ritmo circadiano em pessoas cegas.

Outra preocupação quanto aos suplementos é a composição, já que há menor rigor dos órgãos fiscalizadores do que em relação aos medicamentos.

Nos Estados Unidos, um estudo de 2017 com 31 produtos, publicado na Revista de Medicina Clínica do Sono, mostrou que o teor de melatonina variava de -83% a +478% em comparação ao indicado no rótulo.

"Além disso, a serotonina [5-hidroxitriptamina], uma indoleamina relacionada e substância controlada usada no tratamento de vários distúrbios neurológicos, foi identificada em oito dos suplementos em níveis de 1 a 75 microgramas", alertaram os autores.

R7

Foto: Freepik