A epidemia de HIV nos anos 1980 representa um marco para a Ciência. Os tratamentos eficazes que surgiram ao longo das últimas quatro décadas são fruto de uma cooperação científica inédita e do trabalho de pesquisadores que ainda hoje tentam entender o vírus e suas mutações.
A estrutura utilizada nos 40 anos de estudos dedicados à descoberta de uma vacina contra o HIV, lembra Roger Tatoud, diretor-adjunto dos programas HIV na IAS (International Aids Society), que organiza a Conferência Mundial sobre a Aids na Suíça, sustentou as pesquisas e o sucesso que resultaram na descoberta dos imunizantes contra o Sars-CoV-2.
“Muitos dos centros clínicos onde foram realizados testes para a Covid-19 eram utilizados para a pesquisa do HIV. Os cientistas envolvidos nas pesquisas com a Covid-19 são os mesmos que trabalhavam em estudos sobre o HIV”, explica.
Além do investimento massivo, houve também um engajamento coletivo do mundo científico no combate à Covid-19, com aumento da cooperação e compartilhamento de dados, o que permitiu avanços em tempo recorde. Os organismos que financiam as pesquisas sobre o HIV também são os mesmos que investem nos estudos sobre o Sars-CoV-2, lembra o representante da International Aids Society.
“Houve um enorme suporte, que deve ser reconhecido, de 40 anos de investimento no HIV, que permitiu uma resposta rápida à Covid-19."
Na entrevista à RFI Brasil, Roger Tatoud disse esperar que essa mesma “energia”, seja utilizada, no futuro, na busca por uma vacina contra o HIV. Há projetos em andamento, dificultados pela complexidade do vírus, mas uma das esperanças é a utilização do RNA mensageiro, adotada com sucesso nas vacinas contra a Covid-19. Essa tecnologia poderia “driblar” a alta capacidade de mutação do HIV, fazendo com que o organismo produza anticorpos independentemente da cepa.
O pesquisador explica que o HIV é um vírus muito mais sofisticado do que o Sars-CoV-2, com cepas de diferentes famílias, o que dificulta o desenvolvimento de uma vacina.
“Como vírus da Aids varia muito, bem mais do que o vírus da Covid-19, e tem muito mais variantes, os anticorpos, isolados, não reconhecem todas as cepas”, explica Tatoud sobre a dificuldade de criar uma vacina utilizando métodos clássicos, onde vírus inativados ou enfraquecidos provocam uma reação do sistema imunológico que protegem o corpo.
Os cientistas detectaram até agora cinco novas variantes para o Sars-CoV-2: a britânica, a sul-africana, a brasileira, a nigeriana e a originária de Nova York. Essas mutações são esperadas e normais, explica o pesquisador.
“A natureza é assim. Os vírus mudam, alguns mais do que outros”, diz. É o caso do HIV, mas também do vírus da gripe, por exemplo. “Por isso é necessário criar uma vacina diferente todos os anos, porque a cepa muda de um ano para outro. O HIV é assim, muda muito, dependendo da população e da área geográfica.”
A triterapia, ou o famoso coquetel anti-HIV, ainda é tratamento mais eficaz no combate às cepas existentes, segundo ele. Mas há casos de resistência, que obrigam os cientistas a adaptar as moléculas para tratar os pacientes.
RFI