Crescemos ouvindo que a cárie era o grande vilão e que, na idade adulta, a doença periodontal era a principal responsável pelos problemas da boca. Aí aprendemos a escovar bem os dentes e a cuidar das gengivas, mas, na verdade, há algo mais com que devemos nos preocupar. O nome é comprido – lesões cervicais não cariosas e hipersensibilidade dentinária – e, desde 2008, esse é o objeto de estudo do grupo coordenado pelo dentista Paulo Vinícius Soares, professor e pesquisador da Faculdade de Odontologia da Universidade de Uberlândia, com pós-doutorado pela Universidade de Chicago. Ao todo, a equipe já produziu mais de 50 artigos, 36 publicados no exterior, e 11 capítulos em livros, mostrando que a perda da estrutura mineral dos dentes vem se dando de forma cada vez mais precoce. Em português claro, os dentes estão envelhecendo mais rapidamente, como explica do doutor Paulo Vinícius.
“Gosto de chamar a atenção para o fato de que esta é uma doença contemporânea, com relação direta com nosso estilo de vida. A lesão cariosa, ou seja, a cárie, depende de bactéria e é combatida com escova, creme dental e uma dieta com menos açúcar. As pessoas aprenderam isso. Já a doença não cariosa, que no passado parecia uma exclusividade da faixa etária acima dos 70 anos, hoje é encontrada em 30% de jovens entre 25 e 30 anos. Seu primeiro sintoma é a hipersensibilidade. Uma vez que o esmalte do dente é perdido, a dentina é exposta e com isso vem a dor. A gengiva se retrai precocemente, e a lesão evolui para uma cavidade, que vai se aprofundando até a perda do dente”, afirma o especialista.
Ele aponta cinco grupos de risco e o primeiro é composto por ex-usuários de aparelhos ortodônticos. Apesar da necessidade de correção, em alguns casos podem ocorrer alterações irreversíveis na estrutura do osso. “Tenho recebido pacientes de 25 anos com boca de 50”, diz o professor. “O acesso à ortodontia hoje é muito maior que há duas ou três décadas. No entanto, o acompanhamento tem que ser feito inclusive na fase pós- tratamento, ou teremos gerações de jovens com retração gengival”, completa. O segundo grupo reúne os indivíduos com algum tipo de doença gástrica, como refluxo e úlcera; que se submeteram a cirurgia bariátrica; ou utilizam balão intragástrico. “São pacientes que apresentam degradação biocorrosiva do esmalte e da dentina causada pelo ácido clorídrico do estômago”, diz o doutor Paulo Vinícius. Em seguida, vêm os atletas amadores cuja nutrição esportiva inclui um grande volume de bebidas cítricas. Ele cita o consumo cada vez maior de água com limão espremido, para aumentar o metabolismo, além de chás verdes e isotônicos: “são substâncias que degradam o esmalte, por isso é indispensável que o dentista peça um relatório da dieta alimentar do paciente, que terá que usar um creme dental que dificulte a ação corrosiva”.
A lista é grande e espelha o estilo de vida contemporâneo. Na quarta categoria encontram-se os muitos seres humanos chamados de “apertadores dentais”: aqueles que cerram, trincam e rangem os dentes, provocando uma sobrecarga na articulação temporamandibular. De acordo com levantamentos feitos pelo grupo coordenado pelo doutor Paulo Vinícius, cerca de 70% das pessoas ansiosas apertam os dentes. O aplicativo Desencoste, criado pelos cirurgiões-dentistas Wladimir Dal Bó e Roberto Garanhani, programa alertas a intervalos regulares para esses “apertadores” afrouxarem a pressão dentro da boca. Por fim, no quinto grupo estão aqueles que sofrem os efeitos colaterais de medicamentos ou tratamentos agressivos, como quimioterapia e radioterapia. “Os casos mais severos, quando há formação de cavidade, só são corrigidos com uma restauração. O envelhecimento precoce dos dentes é um dos maiores desafios que a odontologia está enfrentando”, finaliza. Por último, mas não menos importante: somente um especialista poderá fornecer informações confiáveis sobre o assunto.
G1
Foto: Acervo Grupo LCNC/FO.UFU-MG