A epidemia de obesidade no Brasil começa a dar sinais de estagnação. Dados inéditos do Ministério da Saúde obtidos pelo jornal "O Estado de S. Paulo" mostram que a explosão de casos assistida na última década perdeu ritmo nos dois últimos anos. "Os indicadores apontam para uma tendência de estabilização entre a população das capitais", afirma a diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Maria de Fátima Marinho de Souza.
Os números, no entanto, estão longe de ser tranquilizadores. "Os patamares ainda são muito elevados. Mais do que nunca, é preciso reforçar a prevenção", constata. Entre as medidas consideradas cruciais, estão mudanças nas regras de rótulos de alimentos, para que a população possa fazer escolhas mais conscientes, e políticas que permitam maior acesso a frutas e hortaliças.
A pesquisa do Ministério da Saúde mostra que 18,9% da população acima de 18 anos das capitais brasileiras é obesa. O porcentual é 60,2% maior que o obtido na primeira vez que o trabalho foi realizado, em 2006. Naquele ano, 11,8% dos entrevistados estavam com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30. Embora bastante elevado, sobretudo quando comparado com outros países da América do Sul, os indicadores são os mesmos obtidos em 2015.
"Daí a indicação de que a velocidade da expansão começa a cair", afirma Maria de Fátima. O mesmo ocorre com o excesso de peso. Em 11 anos, a expansão da população com peso acima do considerado ideal foi de 26,8%. De 2015 para 2017, contudo, os indicadores permaneceram estáveis. Há três anos, 53,9% da população estava acima do peso. No dado mais recente, 54%. Uma nova pesquisa deverá ter início no fim do ano para comprovar esses dados. No novo estudo, voluntários terão seu peso medido pelos entrevistadores.
Novos hábitos
Os sinais de estabilização de sobrepeso e obesidade nos últimos dois anos vêm acompanhados de mudanças no comportamento do brasileiro. Ele hoje consome menos refrigerante e bebidas adoçadas que na última década e se exercita um pouco mais. Em 10 anos, a queda do consumo de bebidas foi de 52,8%. Em 2007, 30,9% dos moradores das capitais faziam uso regular desses produtos. Agora, o comportamento é citado por 14,6%.
"Houve uma queda importante, mas o consumo no País ainda é muito alto", afirma a coordenadora de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Michele Lessa. Sobretudo entre a população mais jovem. Na faixa entre 18 e 24 anos, 22,8% consomem refrigerantes e bebidas adoçadas regularmente. "Do ponto de vista nutricional, esses produtos não trazem nenhuma vantagem e têm grande concentração de açúcares. O ideal seria reduzir ao máximo o consumo", afirma Michele. A faixa etária mais jovem é a que mais ingere essas bebidas e, ao mesmo tempo, a que apresentou menor redução de consumo no período analisado: 43 17%.
Alimentação e exercício
O raciocínio vale ainda para a melhora nos indicadores de consumo de frutas e hortaliças. Os números avançaram positivamente, mas ainda não alcançaram a meta ideal. Entre a população de 18 a 24 anos a ingestão recomendada de pelo menos cinco porções por semana desses alimentos subiu 25%. Mesmo assim apenas 19,63% consomem esses alimentos nessa frequência. Os números vão melhorando com o passar dos anos de vida. Dos entrevistados com mais de 65 anos, 26,9% fazem o consumo desses alimentos na proporção recomendada.
Além da alimentação, os indicadores de atividade física também melhoraram. Houve um aumento de 24% de pessoas que afirmam se exercitar de forma leve ou moderada. "Todos esses indicadores precisam melhorar. O ideal é que toda população coma ao menos cinco porções de frutas e hortaliças por dia. E que se exercite de forma moderada, mas frequente", avalia Maria de Fátima.
A tarefa, no entanto, não é fácil. "Há dificuldades de acesso, sem falar em preços", diz. Batizada de Vigitel, a pesquisa do Ministério da Saúde é feita por telefone, com população acima de 18 anos residente nas capitais do País.
Número de obesos entre jovens mais que dobra em uma década
Embora o aumento do sobrepeso e da obesidade tenha se dado em todas as faixas etárias e em todas as regiões do País na última década, os jovens foram os mais afetados. O número de obesos de 18 a 24 anos mais que dobrou em 11 anos e alcança os 9%. Além disso, um terço das pessoas nessa faixa etária está com sobrepeso.
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A preocupação com pessoas nessa faixa etária se dá não apenas pela velocidade com que o fenômeno avança, mas pelas consequências. Quanto mais cedo jovens ficam acima do peso, maior o risco de desenvolverem doenças.
O impacto para o sistema de saúde também é expressivo. O cálculo é de que o País gaste cerca de R$ 16,9 bilhões por ano com tratamentos de problemas relacionados à obesidade, como asma, hérnia de disco e distúrbios cardiovasculares.
Os números reunidos pelo Ministério da Saúde mostram que os efeitos da obesidade já são sentidos. O diabetes, por exemplo, cresce de forma expressiva. Entre 2006 e 2017, os registros subiram 49% entre a população de 25 a 34 anos.
Quando se analisa a população como um todo, fica claro não haver diferenças significativas entre gênero. Em São Paulo, por exemplo, 8,6% das mulheres já receberam a confirmação do problema e 8,3% dos homens. A estatística nacional é um pouco menor: 7,6%.
O estudo mostra que a população masculina é a mais afetada tanto pelo sobrepeso quanto pela obesidade. Em todas as capitais e no Distrito Federal, mais de 50% dos homens está acima do peso. Em 7 capitais, a marca já ultrapassou os 60%.
A situação das mulheres, contudo, está longe de ser menos alarmante. Em 12 Estados, mais da metade das mulheres têm excesso de peso.
A auxiliar administrativo Thaís Machado Martins, de 29 anos, já foi obesa e passou por um processo de emagrecimento quando estava com 26 anos. Agora, após ter a primeira filha, está novamente tentando melhorar a alimentação e cortar o refrigerante. "Tinha muita gordura no fígado e o médico chegou a falar que eu estava a um passo de ter cirrose hepática. Foi um susto, mas, mesmo assim, não comecei a mudar os hábitos. Quando você está acima do peso, você não come o que é correto."
Ela conta que, alguns meses depois, entrou para o programa Vigilantes do Peso e, em um ano e meio, emagreceu 21 quilos. "Quando entrei, estava pesando 102 kg e tenho 1,70 metro. Em março de 2017, já estava com 81 kg. Em junho, engravidei", conta.
Nos primeiros cinco meses de gestação, teve muito enjoo. "Quando a água com gás não resolvia, eu tomava refrigerante. Ganhei 22 kg na gravidez."
Agora, que a filha está com 3 meses, Thaís está tentando ter uma alimentação balanceada. "Estou com 85 kg. Diminuí bastante o refrigerante e estou tentando comer melhor."
Agência Estado
Matt Cardy/Getty Images