Quando Cainã Nicollelli tinha 19 anos ele teve o primeiro surto psicótico.
De repente, começou a falar que tinha chip no cérebro, que era monitorado, que as pessoas liam seus pensamentos e que precisava ir para o hospital para que retirassem esse chip da cabeça dele.
A mãe, Sarah Nicolleli, funcionária pública, nunca tinha ouvido falar sobre esquizofrenia. A primeira reação foi chamar uma ambulância.
“Até então eu nunca tinha ouvido falar sobre a esquizofrenia. Já tinha visto algumas coisas na televisão, mas não sabia o que era. Quando meu filho foi internado, fui estudar, e tentar entender o que era essa doença”.
Entre o primeiro contato e a aceitação foi um longo processo. Sarah conta que, em princípio, recebeu a notícia com uma certa naturalidade porque achou que fosse algo passageiro, que logo o filho voltaria à normalidade.
“Depois percebi que ele estava piorando. No início, ele até melhorou um pouco, depois começou a se recusar a tomar os medicamentos e foi regredindo. Depois que eu entendi o que estava acontecendo, começou a luta para fazer ele entender que ele tinha uma doença e que precisava de um tratamento”.
Essa luta durou quase cinco anos. Tempos difíceis para a família que não entendia por que essa doença tinha aparecido ali e que precisava entender e tentar controlar o comportamento obsessivo do Cainã.
“Teve uma época em que ele tomava banho a cada cinco minutos, a ponto de a pele ficar em carne viva. Foi um processo difícil de aceitação de ambas as partes. Da parte dele, ele dizia que era normal, que ele não tinha nada. A não-aceitação da minha parte eram os porquês. Por que o meu filho, por que essa doença, o que causou, o que eu fiz?”.
Sarah conta que depois que o filho entendeu que tinha uma doença e que precisava de tratamento, tudo começou a mudar.
“Aí eu comecei a ver o efeito do tratamento, ele voltou a ser o filho que eu tinha antes da primeira crise. Porque ele estava diferente, agressivo, quebrava coisas dentro de casa, vivia em um mundo irreal. A partir do momento da aceitação, começou a ficar melhor, saiu do isolamento social, da apatia, voltou a sorrir”.
Hoje, aos 27 anos, Cainã controla os sintomas da esquizofrenia com medicação e faz acompanhamento psiquiátrico. Há três meses ele voltou ao mercado de trabalho, em uma empresa de call center. Aos poucos também conseguiu retomar a vida social, fazer amigos, se readaptar à vida.
“Ver ele tomar os medicamentos e retomar rédeas da vida dele, foi uma alegria. Como mãe a gente se preocupa muito com a vida dos filhos, com o que vai ser deles quando a gente não estiver mais aqui. Hoje eu estou mais tranquila”.
Mania de perseguição é sintoma
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, a esquizofrenia é uma doença mental que afeta cerca de 1% da população mundial e é mais comum em homens.
O início da doença pode acontecer com surto psicótico – como foi com o Cainã – ou com sintomas como isolamento, retraimento social, queda de rendimento escolar ou no trabalho, mudanças de comportamento que devem estar associadas a um quadro perseguitório, ou seja, ideias de perseguição e delírio.
Existe um risco genético, a esquizofrenia pode ser hereditária. Mas isso não é determinante para o desenvolvimento da doença. É preciso que fator ambiental também contribua.
De acordo com o psiquiatra Ary Gadelha, do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, sofrer algum tipo de violência ou o uso drogas como maconha e cocaína podem desencadear a doença em alguém que já tenha a vulnerabilidade genética.
Doença pode ser controlada
Quando se fala em esquizofrenia, muita gente ainda tem a ideia estereotipada de que o paciente nunca mais vai voltar ao normal e precisa ser internado porque não vai conseguir viver em sociedade.
O psiquiatra Ary Gadelha explica que, com o avanço dos tratamentos, a realidade nos dias de hoje é completamente diferente.
“Hoje, com o tratamento adequado, é possível superar a esquizofrenia e buscar qualidade de vida”.
Gadelha explica que, para isso, é preciso ter o que se chama de esperança realista. É preciso reconhecer a dificuldade, entender a doença e a partir disso reorganizar a vida.
“Com o avanço no tratamento, é possível não só controlar os sintomas, mas promover a superação da esquizofrenia, uma maneira de ter uma vida plena e significativa, apesar da doença. Nos últimos anos estamos assistindo vitórias que antes se consideravam impossíveis, como pacientes voltando ao mercado de trabalho, concluindo faculdades e fazendo pós-graduação”, destaca o psiquiatra.
A esquizofrenia não tem cura, o tratamento deve ser seguido por toda a vida. Os remédios ajudam a controlar os sintomas, mas isso não é o suficiente. É preciso que o paciente seja acompanhado por uma equipe multidisciplinar que inclui psiquiatra, enfermeiro, psicólogo, terapeuta ocupacional e assistente social.
O acompanhamento familiar também é importante em todos os processos.
“A família tem que estar envolvida em todos os momentos do tratamento. Hoje, todos os protocolos incluem a participação da família, porque os familiares também precisam de acompanhamento para enfrentar as dificuldades, os receios e os medos”, conclui Gadelha.
R7
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