Os centenários, como são chamadas as pessoas com 100 anos ou mais, sempre foram alvo de curiosidade da ciência e da população em um geral: como será possível chegar a essa idade e se manter, de certa forma, saudável?
Isso se torna ainda mais curioso tendo em vista que a média de expectativa de vida no Brasil, segundo a estimativa de 2021 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é de 77 anos – a de mulheres é de 80,5 anos e a de homens, 73,6 anos. Para responder essas perguntas, pesquisadores da Escola de Medicina Chobanian & Avedisian, da Universidade de Boston, e do Tufts Medical Center analisaram detalhadamente o sistema imunológico dessa parcela da população.
Há cerca de 30 trilhões de células no corpo humano, que devem viver em harmonia para manter a saúde humana. O sistema imunológico desempenha papel importante nesse equilíbrio, e faz total diferença para a longevidade.
Os cientistas descobriram que os centenários têm células imunes diferentes (em composição e atividade) dos demais e um sistema imunológico extremamente funcional, que permitiu que eles se adaptassem a diversas doenças. "Nossos dados apoiam a hipótese de que os centenários têm fatores de proteção que permitem se recuperar de doenças e atingir idades extremas", disse em comunicado a principal autora do trabalho, Tanya Karagiannis. Para identificar, especificamente, quais células colaboravam isso, o estudo sequenciou células únicas presentes em células mononuclueares (qualquer uma da corrente sanguínea, exceto as que são captadas pelo sistema linfático, baço, fígado ou pela medula óssea, com um núcleo redondo) de sete centenários – de 100 a 119 anos – e de dois jovens (44 e 34 anos) sem histórico de longevidade familiar.
Eles então dividiram esses dados em dois conjuntos e aplicaram técnicas computacionais avançadas para examinar as informações.
O grupo também avaliou a proporção de diferentes tipos de células e como elas mudam em função da idade (para entender se os centenários passam pelos efeitos esperados para cada faixa etária).
Essa investigação mostrou que, de fato, pessoas com mais de 100 anos apresentam composições celulares específicas que tornam o seu sistema imunológico único – mais habilidoso para aprender a se adaptar e se reestabelecer após infecções, que eles enfrentam em maior número que os demais.
"Os perfis imunológicos que observamos nos centenários confirmam uma longa história de exposição a infecções e capacidade de se recuperar delas e fornecem suporte à hipótese de que os centenários são enriquecidos por fatores protetores que aumentam sua capacidade de se recuperar de infecções", disse a autora sênior do estudo, Paola Sebastiani.
Mais precisamente, os centenários têm, por exemplo, mais genes com alterações associadas à idade, como o STK17A, que está intimamente ligado à manutenção da saúde celular. Também contam com genes S100A4, conectados à longevidade e à regulação metabólica.
A pesquisa identificou ainda 25 genes exclusivos dos centenários, em vários tipos de células. Alguns, por exemplo, ligados ao reconhecimento de antígenos (substância estranha ao organismo) e na ativação da resposta imune.
Essa composição única pode ser fruto de uma adaptação do sistema imunológico ou um mecanismo que compensa a perda de tipos de células imunes essenciais.
"Coletivamente, esses dados sugerem que os centenários abrigam sistemas imunológicos únicos e altamente funcionais que se adaptaram com sucesso a um histórico de danos, permitindo a obtenção de uma longevidade excepcional", pontua o estudo.
Para os pesquisadores, esses achados relacionados à resistência imunológica podem se tornar um alvo para as iniciativas de envelhecimento saudável.
"Os centenários e sua longevidade excepcional fornecem um 'projeto' de como podemos viver vidas mais produtivas e saudáveis. Esperamos continuar a aprender tudo o que pudermos sobre resiliência contra doenças e a extensão do período de saúde de uma pessoa", disse o autor sênior do estudo, George Murphy.
No entanto, vale destacar que não se sabe ao certo se esses padrões únicos dos centenários são impulsionados pela idade extrema ou se são uma consequência dela, já que eles apresentam diversas características que não necessariamente são importantes para atingir idades extremas.
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