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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a Lei 13.454/2017, que permitia a comercialização dos medicamentos anfepramona, femproporex e mazindol, inibidores de apetite usados no tratamento da obesidade. Os três remédios foram proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2011. “Só que, em 2017, o congresso fez uma lei para liberar a venda deles mesmo sem o devido registro”, explica o endocrinologista Cesar Luiz Boguszewski, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Agora, o STF decidiu que tal lei é inconstitucional, uma vez que a autoridade máxima no tema é a Anvisa, não o poder Legislativo. A sibutramina, que também estava incluída no decreto, segue sendo comercializada, pois seu registro nunca foi suspenso pela Anvisa. “Ela já estava autorizada, nem precisava estar no texto”, completa Boguszewski.

As sociedades médicas envolvidas no tratamento da obesidade concordam com o Supremo. “Os políticos são leigos em medicina, não tem condições de legislar sobre a liberação de remédios. Essa prerrogativa sempre cabe à Anvisa”, aponta Boguszewski.

Há, contudo, uma chance de a decisão retomar uma discussão antiga, sobre se esses remédios deveriam mesmo ter sido proibidos.

“Eles eram ferramentas úteis para um problema importante. Existia muito abuso, mas isso indica a necessidade de fiscalizar e regular melhor, não de proibir”, ressalta a endocrinologista Cíntia Cercato, presidente da Associação para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Inibidores de apetite x Anvisa

Anfepramona, femproporex e mazindol são anorexígenos derivados da anfetamina, que atuam no sistema nervoso central. “Eles inibem as vias cerebrais que estimulam o apetite. Assim, reduzem a fome. E, num efeito paralelo, aumentam o gasto energético do corpo”, explica Boguszewski.

São medicamentos bem antigos, usados desde os anos 1950, mas sempre envolvidos em debates sobre a segurança e a possibilidade de causarem dependência, pela ação estimulante.

Devido a isso, em 2011, a Anvisa cassou o registro dos três. Segundo a entidade, não há evidências suficientes sobre a eficácia e segurança das substâncias. Mas as entidades ouvidas pela reportagem discordam.

“As pesquisas até existem, mas são anteriores ao estabelecimento de metodologias para estudos mais controlados”, explica Cíntia. “Se formos passar essa régua, teríamos que tirar do mercado muitos compostos usados amplamente pela população contra outras doenças”, completa a médica.

“Na época, fizemos um relatório mostrando os estudos disponíveis e afirmando que as drogas poderiam ser vendidas, desde que com mais controle”, ressalta Boguszewski. “Os motivos para a cassação continuam desconhecidos”, escreveu a SBEM em nota divulgada após a decisão do Supremo.

Já a Anvisa, também em comunicado, diz que, até o momento, “não há novos estudos que indiquem uma situação favorável ao uso destes produtos”. E que, com o que havia de disponível à época, “também ficou comprovado que as substâncias traziam efeitos colaterais que incluem risco de dependência, aumento da hipertensão arterial e problemas psiquiátricos”.

O texto pontua ainda a falta de interesse dos laboratórios, que não apresentaram mais dados sobre as drogas. E é mesmo difícil que alguma grande indústria banque uma atualização de conhecimento sobre os anorexígenos. Eles não possuem mais patentes e já foram superados por novas drogas.

Liberação poderia melhorar acesso ao tratamento

No momento, existem três remédios contra a obesidade aprovados no Brasil. Além da sibutramina, que atua no apetite, há a liraglutida, hormônio que desacelera o esvaziamento do estômago, e o orlistate, que diminui a absorção de gordura no intestino.

Mas, com exceção da sibutramina, o preço do tratamento com essas drogas é inviável para a saúde pública. “O custo flutua entre 500 e 800 reais ao mês e se estende por anos. Muitas vezes, nem o paciente do consultório particular consegue pagar”, comenta Boguszewski.

A obesidade é uma doença multifatorial, cujo tratamento envolve vários pilares. Em alguns casos, os remédios são necessários. “Só que grande parte da população acaba sem acesso a eles por conta do valor”, alerta Cintia.

Para Boguszewski, as drogas são vítimas de certo preconceito e do abuso que muita gente faz dos remédios para emagrecer com fins estéticos. “Existe a noção de que a obesidade não é uma questão médica, mas de conduta individual. É uma simplificação que limita o uso do medicamento”, opina.

Os riscos de manipular remédios para emagrecer

Além da dependência e do uso ilícito, para fins recreativos ou estimulantes, um dos problemas das substâncias que estão na mira do STF é que elas são frequentemente encontradas em fórmulas oferecidas por farmácias de manipulação.

“Esse é um uso que condenamos, porque há risco de oferecer os compostos em doses diferentes das estudadas e associá-los com outros, criando fórmulas mágicas para emagrecer. Isso se tornou um problema de saúde pública no passado”, relembra Boguszewski.

Ninguém discorda da existência de efeitos colaterais relevantes, do perigo do uso indevido ou das más condições em que essas drogas eram vendidas. “Mas a solução para isso não é retirar o produto do mercado, e sim regulamentar melhor sua utilização”, pondera Cíntia.

Como exemplo, Boguszewski compara com os remédios do tipo tarja-preta, indicados para transtornos psiquiátricos. “Muitos fármacos para depressão também oferecem risco de dependência, e, depois de uma batalha dos psiquiatras, as agências regulatórias encontraram um jeito de controlar melhor sua venda”, compara.

Resta saber se ainda há espaço para um debate desse tipo sobre os anorexígenos.

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